terça-feira, 29 de maio de 2007

Torre


Levantou de sua luxuosa cama após 3 horas de pensamentos ininterruptos. Envolta na seda branca que ornamentava seu leito, olhou ao seu redor. Tudo ali era tão seu há tanto tempo que ela já não suportava nem mesmo o incensário azul. Ali, naquele momento, tal objeto era o alvo de seu ódio. Cada detalhe, cada curva era devorada em uma raiva crescente pelos seus olhos. Eles forçavam um desprezo pelo incensário apenas para terem uma vítima e, de certa forma, uma companhia.

Era branca como uma boneca de cera e tinha nos olhos e nos longos cabelos negros o reflexo de milênios de lembranças. Costumava embalar seu carrossel de pensamentos ao som de um cravo em tons menores. Amava os bemóis por sua doce melancolia, embora vez ou outra, quando o sol a conquistasse, desse asas às melodias em Ré Maior.

Sempre fora colocada em um pedestal perfeito. De uma redoma de cristal, ela sempre enxergou o mundo como uma parte de si à qual nunca teve acesso. Apenas os mundanos tinham acesso ao mundo que ela via lá fora, lá longe, abaixo. Mas, por Deus! Não era ela mundana? Que espécie de graça era atribuída a ela? Por que não poderia se juntar ao mundo?

Todos os que a amaram sempre a tiveram como um anjo que deveria permanecer em um altar. Por isso foi trancada lá em cima como uma Deusa e se fechara. Não se orgulhava de seus supostos méritos. Se fechara por não ter a luz que todos enxergavam. Era uma farsa inconsciente muito bem elaborada. Cada gesto, cada traço planejados nos mínimos detalhes. Não era pura, não era boa e muito menos bela. Ainda assim, eram tais títulos que eram presos a ela, como falsas justificativas, todas as vezes em que o amor lhe dava as costas e a deixava tocar, com cada poro, a face do desespero lá no alto de sua torre.

- És como uma jóia rara. Não te mereço. Disse-lhe seu último amor. E tudo o que ela sentia era raiva. Ódio daquele imponente pedestal que a guardava em um eterno exílio e a fazia assistir através das paredes cristalinas seu mundano amor descer os infinitos degraus rumo ao mundo real.

- Para o inferno minha suposta inocência! Ela gritava. – Para o inferno minha rasa pureza! Não sou isso que pensam! Por que me mantém aqui?! Não sou isso que pensam!

Ah, o mundo não exalta o verdadeiro belo... Este é esquecido e trancado embaixo da terra e por dentro dos corpos vazios que hoje vagam por todos os cantos... E assim a vida segue e vai seguir por um bom tempo.

Até hoje, na sétima lua crescente do ano, é possível olhar para o céu e vê-la vagar em seu pedestal branco de luar. E vaga com os olhos perdidos, de um lado para outro, como um pêndulo ao som de uma valsa infinita e escura, que ecoa em meio à incessante fragrância provinda de um incensário azul.