sábado, 23 de janeiro de 2010

Wings and Horns (Onírico IV)

O que predominava era o amor.

Eu me encontrava num lugar espetacular. Gigantesco, com uma espécie de cúpula de vidro no teto. O chão, as paredes e as pilastras que me cercavam tinham dimensões quase sagradas e eram de diferentes tipos de mármore. Era um lugar semiaberto e circular, de modo que eu conseguiria ver o que existia do lado de fora. Na verdade, eu tenho a impressão de ter visto uma rua como outra qualquer. Eu sei que eu morava ali. Me sentia em casa, em todos os sentidos.

Do andar em que eu estava, eu via o grande teto ornamentado, as pilastras, algumas janelas enormes e um pequeno portão que receberia quem subisse uma longa escadaria que vinha desde lá de baixo, diretamente do portão principal.

Eu não estava sozinho neste palacete, mas não consigo me lembrar exatamente de quem estava comigo. Algumas pessoas eram reais como eu, enquanto outras, apesar de serem reais, eram apenas almas. Consciências que nadavam pelo ar do castelo livremente. Acredito, inclusive, que havia pequenas sacadas e apoios espalhados aleatóriamente pelas paredes, colocados lá especificamente para que os "alados" tivessem onde descansar, caso quisessem olhar o grande teto mais de perto.

Então duas delas vieram. Eram minhas filhas. Ou melhor, eu as amava como se fossem minhas filhas, mas sei que o vínculo familiar delas não era comigo. Eram dois anjos, eu acho. Não eram reais como eu. Eram almas! Vestiam vestidos brancos e, apesar de eu não ver isso ocorrer, eu sei que emanavam luz. Eu as amava muito e ficava feliz em falar com elas. Depois de alguma conversa muito animada, as duas me apontaram uma senhora que estava de azul. Acho que estavam me mostrando que não estavam sozinhas. A senhora vestia roupas normais, aparentemente, e se encontrava numa espécie de varanda de um andar superior ao meu. Eu lembro de acenar à senhora antes de trocar mais algumas palavras com minhas filhas. Só não lembro o que, exatamente.

Depois fui à varanda da frente e vi que dois seres subiam as escadas, entrando no palácio. Eles tinham permissão para isso e vinham para mim. Eram dois unicórnios. Meus unicórnios.

Ao chegarem ao final da escadaria, ambos foram atacados por uma ave muito feroz e assustada. Protetora, talvez. Eu acho que era uma ave oceânica, dessas que ficam nas praias. Ela se irritou muito com a presença dos unicórnios e os atacou, assustando os dois. Lembro de intervir severamente nisto, acalmando a ave, que também era minha. Eu sentia muito amor por estar ali com os três. Era muita alegria, e eu cheguei ao cúmulo de amá-los tanto quanto - na verdade, até mais - que minhas próprias filhas. Os unicórnios então começaram algum tipo de narrativa, como se fossem servos trazendo notícias... Mas, como todos os diálogos ocorridos neste local, eu também não lembro de absolutamente nada do que me foi dito. Acho que nem conversávamos por palavras. Eram sentimentos.

A única coisa da qual me lembro é de que aquele local era meu, e os unicórnios e a ave eram meus filhos também. Na verdade, até mais que os dois anjos com quem eu já havia falado anteriormente.

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As coisas se confundem. Eu estou numa praia e também no centro do Rio de Janeiro. Uma grande onda se encontra a caminho e eu, sozinho, conto apenas com a minha ave, que parece um pouco machucada.

Passo por uma praça muito grande e vejo algumas pessoas à beira da praia, sentadas, conversando. Por alguma razão específica eu decidi deixar minha ave com elas, ato que me trouxe um remorso que, até agora, que já acordei, não foi embora. Vi também uma antiga professora que, ao não me reconhecer, foi bem ríspida e um grupo de pessoas realizando um ritual de origem africana. Uma delas estava vestida de noiva, correndo loucamente pela praça. Tive medo deles.

Depois só lembro de ver muita, mas muita água. Eu não havia me machucado ou morrido na grande onda que chegou, mas lembro de alguém partindo uma porta e me dando parte dela para que eu pudesse nadar.

Meu destino se fechou num gigantesco redemoinho. Quando eu digo gigantesco, eu quero dizer realmente gigantesco. Estou falando de algo de dimensões absurdas. Nele eu vi de tudo, mas os automóveis estavam em maior número. Uma mulher de cabelos amarelos estava ao meu lado. Ela aparentava estar totalmente fora de si. Sorria nomeando cada carro que passava por nós no redemoinho: Marte, Júpiter, Netuno...

Ela ria. E antes de ser esmagada por um carro, disse veementemente que, ela sim, era um planeta em órbita. Um grande planeta em órbita.

Acordei.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

P

Meus olhos transitam sem sucesso pela lista de nomes à procura de uma singela e impactante letra P. Há mais de um ano esta letra fora implantada sem face e sem sentido em minhas expectativas e, Deus, como eu me sinto idiota por prolongar essa história até hoje. Ainda assim, devemos concordar que, apesar de eu ser essa pessoa erm... sei lá, eu tenho lá minhas razões para isto. E depois, procurar alguém que comece com a letra P não é tão idiota, levando em conta o fato de eu ser alguém que procura mil formas de criar outros mundos (vide este blog) e levar fé em fantasias.

Entrei na sala tímido e provavelmente descabelado - sim, eu estou sempre descabelado e não, não é de uma forma muito estilosa. Anyway, estava chovendo - e sentei à frente da mesa, sorrindo em retorno à estranha gentileza que a mulher transmitia. Me sentia desconfortável e sem saber como agir, e descaradamente (e com o pé direito balançando no ar) reparava nos panos, nas caixinhas coloridas e nos móveis aparentemente normais que me cercavam.

Constrangido pelo silêncio, tirei da minha inseparável mochila a nota de 50,00 R$ para ouvir um curto e grosso não. "No final você bota o dinheiro na caixa". Sim. Já cheguei fazendo merda. Maravilha. Era mais fácil eu ter dado uma gargalhada e perguntando "ei, moça, já visitou o GuruWeb?". Tosco.

Ela então me disse que antes de mais nada faria uma espécie de diagnóstico, traçando meu perfil, para depois seguir com as previsões. Hum... Isso seria interessante. Na verdade, eu já tinha isto em vista, e por isso mesmo não transpareci nenhum dos meus gostos relevantes na forma de me vestir. Jeans básico, blusa cinza e sem graça (até velha) e um tênis surrado que usava para caminhar.

- Verde é uma cor que te faz bem. Você precisa de mais verde no seu quarto.

Ok. Me vendi para esta mulher aqui. E acho que, apesar do baque, eu consegui manter a linha nossa-claro-isso-é-totalmente-irrelevante-e-eu-nem-curto-verde-mas-prossiga-vírgula-sim, respirando fundo e sorrindo um sorriso bem amarelo.

- Você não dirige. Velocidade não te faz bem. Você tem medo.

Show. É tão óbvio assim que eu tenho carteira há quatro anos e só peguei no carro duas vezes? Oki doki.

- Tem muita facilidade para amizade com mulheres e animais.

Ou seja, bi-cho-na. (Y) Ainda mantendo o respeito, pensei. She's on fire.

- E você faz... Engenharia?

- Erm. Não. rs

- Não?

- Faço letras.

-Hm... Mas você gosta de criar, é isso que eu vi. Criar. Associei com exatas.

- ^^ (na forma-mais-Rique-de-ser)

Bem, ninguém é perfeito, mas garanto que ela soube recuperar a dignidade.

- E seu cabelo, ele tem um fundamento espiritual desde os seus sete anos de idade. Não corta o seu cabelo. Seu cabelo deve ser longo.

- ... Ok.

- Você tem um cigano, ele se chama xxxx e vem do sul da França. Toca violino.

(Eu disse que ela ia retomar a liderança).

- E você tem os espíritos de um avô e uma avó por parte de mãe que estão sempre ao seu lado te guiando. Você é muito mais apegado à família da sua mãe.

So far, so good. Tirando a gafe da engenharia (que valeu por, sei lá, três gafes?!) ela se saiu bem e continuou nossa consulta com uma série de coisas sem sentido, como uma folha inteira de nomes de pessoas com as quais eu deveria tomar cuidado (ahan, lógico. Vou tomar cuidado com a Cláudia. Ou pelo menos com uma das 1.345.624 Cláudias que eu ainda vou conhecer!) e uns papos loucos sobre uma viagem para a Bahia e outra para fora do Brasil. Na época eu estava quase indo para o Uruguai para apresentar um trabalho da iniciação científica, mas ainda assim... Não levei fé.

Ao me pegar envolvido pela forma quase desgovernada com a qual ela tirava as cartas (aliás, o baralho dela é exatamente igual ao meu) eu precisei manter o foco para discernir o que era diagnóstico e o que era previsão. Tudo vinha de forma muito mesclada, e confesso que os diagnósticos me fascinaram muito mais do que as previsões. Minha mãe foi muito bem definida, dissecada em palavras diante de mim. Meu pai, meu irmão... Tudo, tudo, tudo.

Ouvi coisas surreais, do jeito que eu gosto. Vivi em 15 países. Fui padre, dançarino, camponês, homossexual (é, aparentemente isso foi uma profissão? Ok, não peguemos no pé da moça.), músico... Enfim, consegui deixar essa realidade por uma boa hora e isso já valeu a consulta. De qualquer forma, é sempre bizarro olhar para trás e ver que seu avô faleceu num 1° de março quando esta mulher disse que ele partiria no final de fevereiro/início de março. É algo estranho.

O mais engraçado é que, de alguma forma, você sái dali vivendo em função do que você ouviu (menos em relação ao cabelo, que eu cortei logo no mês seguinte). Não, eu não faço as previsões ocorrerem, se é isso que você vai pensar. Eu não tinha como matar meu avô. E eu não tinha como me envolver por conta própria em um projeto musical que "não é bem cantado... Não é rock". Há coisas fora do nosso controle, sim. Coisas que estão, em algum nível, predestinadas a ocorrer.

Quase tudo o que eu ouvi ocorreu. Meu avô faleceu, meu pai praticamente tomou a frente dos trâmites relacionados à herança, me formei, me juntei a outro projeto musical da forma mais aleatória possível, estou com uma viagem para sair... E mais coisas das quais nem lembro agora. Falando por alto, soa vago: dividido entre duas pessoas no amor, uma renúncia no seu ano e uma escolha também. É vago? É. Mas foi exatamente assim. UMA única renúncia clara e nada planejada. UMA única escolha para a vida inteira, também.

Coisas extremamente pontuais se concretizaram. Menos a letra P, que levaria realmente um tempo para aparecer... A letra P, justo a previsão mais interessante, se não a mais desejada. Uma silhueta tosca. Um borrão no meu futuro. É isso que é a letra P. Não seria para sempre, ela avisou, mas ainda é isso o que eu mais quero. E tenho medo da letra P ser justamente a única falha existente nisso tudo. Muito medo. Mas ao chegar, marcaria para sempre. Eu poderia tentar mudar as coisas e sim, porque não fazer ser para sempre? Não sei. Eu espero. E a partir daqui eu já não sei mais o que vai acontecer.