quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Masquerade


Então eu fui pra perto dos meus amigos, só para estar perto deles e ver se me animava, mas apenas sentei e comecei a chorar num canto, atrás de uma árvore. E tudo que eu tentava me dizer era que estávamos em pleno carnaval. No Rio de Janeiro. Na última noite.

Eu não quero soar como alguém que além de generalizar cegamente, se sente acima de todos, ou melhor que a maioria. Eu quero deixar claro que estou falando de uma forma geral, consciente das exceções e das possibilidades que a vida oferece. Escrevo de um lugar ao qual cheguei após anos de caminhada na direção de um sonho que parece não se realizar nunca. O problema? Eu sonho com um graaaaande amor. Não, eu não quero um namoradinho, nem quero alguém pra me dar uns pegas vez ou outra. Eu quero um grande amor. Desses que abalam nosso mundo, que botam tudo ao avesso, que nos descabelam na rua e nos fazem sorrir por nada e para o nada... ao serem correspondidos. Desses que se encaixam em toda e qualquer música que bate em seus ouvidos. E por que isso é um problema? Porque eu sou gay. E sinto e vejo dificuldade e instabilidade nas relações deste universinho fútil e vazio que é o meio GLS. Todos pregando a pluralidade, todos lutando pela diferença, mas sempre focados em coisas tão fúteis e vazias.

Também não quero soar como alguém que vive em torno disso. Somos todos seres plurais, vivendo em um mundo plural. Temos muitas dimensões e diferentes profundidades e cores em nossas mentes e corações. Algumas coisas nos prendem mais que as outras, tudo em momentos diferentes; e isto aqui é uma pedra em meu sapato já há algum tempo. E tipo, sentar e encarar isso levou muito tempo. Nem é fácil porque, veja bem, sonhos não foram feitos para serem pedras em sapatos. Sonhos foram feitos para serem nosso combustível. E afirmo isso sem cansar. E mesmo que todo dia me digam que o mundo não é um lugar mágico e que a vida não é um conto de fadas, eu ainda me apego ao poder de um às vezes e continuo amando a grandiosidade (e ao mesmo tempo prisão) do quem sabe.

Pois bem. Eu sempre fui esquisitinho. Meus gostos são, 98% das vezes, minoria em todo e qualquer círculo social no qual eu esteja inserido. E isso também se aplica aos gostos, digamos... físicos e/ou interpessoais. Eu não tenho um perfil específico que me atraia. Eu gosto de pessoas diferentes de mim. Amo pessoas apaixonadas e apaixonantes. E gosto de ouvir suas histórias e escutar seus sonhos e rir de seus micos e gafes e piadas. E amo fazê-las rir, também, mas para isso precisamos nos aproximar, darmos abertura para tal. E a gente não encontra isso em lugar algum. E é foda ser minoria no meio de um grupo que, por si só, já é uma minoria. Tá, eu estou longe de ser a pessoa mais aberta do mundo, mas quando eu tinha 18 anos e pisei sem medo no maravilhoso mundo das diversidades sexuais, eu o fiz acreditando em pessoas, não em corpos. E o que se faz quando você é, de certa forma, discriminado (ou ignorado) dentro de seu próprio "gueto"? A resposta me parece ser uma só: ceder à pressão.

Bem, o que quero dizer é que nos últimos dois dias eu, que há uns bons anos tenho orgulho de ser gay, me peguei com vergonha de ser quem eu sou, e desejei que tudo que existe a minha volta não existisse. Tive vergonha de tudo que me atravessa, de tudo que me constrói. Me peguei olhando torto para mim mesmo por sonhar em viver um amor verdadeiro e tranquilo sem me preocupar em ser trocado ou abandonado pelo primeiro saradinho/modernoso que surgir à minha frente. Sem me sentir ameaçado por toda a orda de gays que se matam diariamente na academia para ser uma dessas "ameaças" aos casais. Pior ainda, me envergonhei por ter feito exatamente isso nos últimos meses só para viver esses dias de carnaval sendo alguém mais gostoso, mais agradável aos olhos de todos esses caras que pensam tão diferente de mim. Me envergonhei - simultaneamente, vejam que conflito divertido - por estar ali pensando em um amor que dure para sempre. Me senti hipócrita, porque eu mesmo finalmente cedi à pressão de modificar meu próprio corpo para que isto - esse sonho - se torne algo mais possível e chorei, como nunca chorei na frente de ninguém, por ter falhado. Falhei em quê? Em fazer alguém se apaixonar por mim? Sim. E por não respeitar o momento dos outros, porque eu mesmo já tive o meu momento de sair apenas para beber e beijar pessoas. Chorei por não ter encontrado o amor da minha vida em dois meses e por ter teoricamente levado um perdido no meio da fuça. E a verdade é que dar perdidos e pegar pessoas aleatórias é, afinal, quase uma consequência natural para alguém que passa a vida repreendendo essas coisas. O problema aqui é que, há um bom tempo, tenho a impressão de que as pessoas não saem nunca dessa fase.

E eu fiquei com vergonha de ser parte de um mundo onde, para ter direito a uma boa conversa com alguém, eu precise chamar a atenção dele tirando a camisa, ou exibindo músculos. Sim, você vai me dizer que não é apenas assim, que conhece várias pessoas "feias" ou "estranhas" que encontraram o amor em outras pessoas, sejam estas lindas ou mais ou menos. E eu não nego que sempre curti uma pessoa fora do padrão. O não-óbvio me atrai absurdamente... Mas até mesmo a não-obviedade está até certo ponto impregnada com estes malditos valores. E por mais que meus amigos vivam jogando na minha cara que meu gosto é estranho (e eu até certo ponto sinta orgulho de mim mesmo por isso - como se eu quebrasse os padrões), o meu ponto é que estas pessoas, estes casais, são exceções. No final do dia todo mundo está sozinho (mesmo os ditos gatões) e todos ficam sozinhos e se pegando de forma aleatória e desordenada. E o que eu vejo em boates se repete em interfaces virtuais, sites de relacionamento e aplicativos... Todos os meios sociais teoricamente propícios para eu encontrar um companheiro vão de encontro a este meu desejo. E eu sempre repudiei isto. Principalmente hoje, quando eu olhei para mim mesmo e encontrei tais valores em mim. Me dei conta de que tenho me tornado mais um deles em vez de ressaltar quem eu realmente sou - ou sempre fui até aqui. Essa coisa de querer estar no topo dacadeia alimentar. Se eu realmente estivesse feliz comigo mesmo hoje, como eu estava lá, aos 18 anos, entrando pela primeira vez em uma boate, nada disso estaria ocorrendo.

Me dei conta de que considerei desistir do meu curso de francês (e caralho, como eu amo estudar meu francês!) para ter tempo para uma academia. Simplesmente porque saber francês infelizmente não vai fazer ninguém me notar. E é aí que a vergonha volta com o pé na porta e me pergunta porque você quer ser notado? - mas eu já sou notado. Notado por ficar quieto, notado por fazer isso, por vestir aquilo outro ou deixar de fazer sei lá o quê. E em termos de ser notado, o máximo que atinjo é o meu eterno - e putaqueopariu, que eterno - posto de amigo fofo. E meu amigo, deixa eu te falar uma coisa que é o X da questão: ser fofo, neste mundo, é tão útil quanto ser uma almofada. Ainda mais se alguém sexy está ao seu lado. E aí concluímos que o que eu quero nesse pseudo-pero-no-mucho-pseudo-drama é ser desejado. Ué, e não vale a pena ser quem você é e estar feliz com isso e atrair as pessoas através de seu verdadeiro eu? A resposta é não. Pelo menos não quando você é gay. Não quando você é gay - e fofo - numa cidade solar e sarada como o Rio de Janeiro. Os standards são extremamente altos e por mais que você lute, você reproduz esta... coisa; e se pega também não considerando, não dando abertura para quem não está naquele padrão maravilhosamente agradável e simétrico que é um homem minimamente "sarado". E se o faz é simplesmente por um casinho rápido, uma ficadinha de nada, só para não sair no zero a zero.

E aí você, que sempre saía à noite na esperança de encontrar alguém legal, se pega preso num círculo vicioso ridículo de achar que sempre pode conseguir algo melhor. É ou não é para ficar com vergonha? O certo seria gostar das pessoas por tudo que elas são. Seria viver bem com meu corpo e não depender de músculos para conseguir certa aceitação num meio que já não é muito bem aceito em nossa sociedade. E isso pode acontecer. Isso - essa abertura ao que está dentro - acontece, de fato. Acontece, sim, mas primeiro olhamos para a casca e gente, no "mundo gay" a intensidade disso é elevada exponencialmente e só agora, infelizmente, eu aceitei isso. Existem lugares em que você literalmente não existe se não tirar sua camisa e mostrar seu corpo esculpido. Isso é patético. E eu sinto vergonha de estar há mais de um mês sofrendo numa academia para poder ser notado e conseguir minimamente - e eu digo minimamente porque eu não pretendo tirar a camisa em locais que não sejam uma praia ou uma piscina rs - aumentar minhas chances de chamar atenção de quem? De outras pessoas também assim.

É confuso.

E no final do dia, além de voltarmos para a premissa básica da humanidade (que para mim é: músicas tristes sempre serão as melhores) a questão persiste: ser ou não ser?