domingo, 23 de março de 2014

Porém em Ré menor


Esses aplausos e esses gritos me fazem continuar. 

E você pode ser maior que tudo que me cerca, com exceção da música que corre em minhas veias. Eu deixo memórias perderem a cor, eu deixo estrelas caírem e eu rasgo cartas que sempre sonhei em enviar, mas não deixo e nem posso deixar de tocar essas músicas,  anjo. Disso eu nunca vou abrir mão - e eu sei que você não me pediria isso. Foi só um pensamento, mesmo.

Digo isso porque eu, antes tão tímido e com medo das luzes, me encontro nesse exato momento encarando mais de mil faces, o que equivale a, sei lá, mais de dois mil olhos sobre mim. Todos com o mesmo propósito feliz, acompanhado de bocas cantando alto, e me banhando com uma energia que poucas vezes senti. Mal caibo dentro de mim, vivendo esse sonho. Meu coração agora era para ser do tamanho do mundo, cobrindo tudo que essa terra carrega. Em vez disso, ele está apenas do tamanho dessa cidade, talvez do país.

E eu sorrio um sorriso triste ao lembrar de quando eu era bem moleque e tudo o que eu fazia à tarde era me perder num labirinto de pensamentos preenchidos por plateias, luzes de palco e aplausos. Jogado em uma rede com meus CD's e meu rádio, meu maior sonho era um dia tocar o coração de quantas pessoas eu conseguisse ao mesmo tempo, os amarrando como pérolas num colar, todos unidos em um solo tocado num Barcus Berry. Que sonho tolo, ter um Barcus. E que ideia, achar que eles teriam violinos coloridos para eu pegar aquele que combinasse com as cores que carrego aqui dentro. Como era bom sonhar tanto, todo dia. Mesmo me perguntando quais seriam as chances de qualquer pessoa - eu, especialmente - conseguir tudo aquilo. 

Sei lá. Na maioria das vezes, admito, tocar corações com algumas notas não é tão desafiador para mim. Outras vezes, como a nossa, é algo impossível de se fazer, porque corações são imprevisíveis e indomáveis; e no final das contas eu acho engraçado como algumas coisas podem ser. Apenas ser.

Isso sempre me pega.

Todas essas pessoas aqui, elas cantam em gritos ferozes, com seus punhos ao alto. 
Somos piratas quebrados e felizes, sempre correndo de alguém com uma garrafa de rum na mão. Somos bardos, somos magos, somos crianças que, tragicamente, nunca crescerão. E meu coração é como aquela corda de bandolim que cisma em arrebentar todo show, noite após noite. Corda quebrada e impossível de ser trocada. Insubstituível. Só temos um coração por vida; e usa-lo de forma sábia é uma noção básica de sobrevivência, mesmo que ninguém nos avise isso. Mesmo que ninguém nos conte que fingir que não temos um coração não protege aquele que temos e escondemos.

Eu não quero desrespeitar o Universo e tudo o que ele me trouxe e me traz. Não quero desrespeitar Deus ou os Deuses - se é que eles existem. Eu na verdade sei lá o que eu quero dizer com tudo isso. Eu sei apenas que não existem palavras para descrever o que é realizar um sonho desse porte. E eu reconheço isso e com toda humildade que encontro nas minhas células eu agradeço às estrelas que sempre me seguiram.  À minha avó e seu piano. Ao acordeão velho no quarto do meio. Aos meus pais, que saíram de um conto de fadas.

Só que há um porém. E ah, meu caro, eu nunca subestimei a fúria de um porém. O poder de um quase. Esse poder que interrompe a melodia de sonho sonhado há eras. Nunca diminui o tamanho de um se.

Há um porém que carrego comigo a partir dessa música. Um porém que dilacera todas as praias que banham meu coração, lançando suas águas em maremoto contra todos os continentes leves que carrego em mim, com suas fronteiras infinitas e suas florestas e cavernas e clareiras. Todo meu mundo interior é virado ao avesso, saqueado e tomado por esse cataclismo que tenho carregado feito um pingente. Esse porém existe selvagem e silencioso em um lugar que, vazio e silente, deveria acomodar as coisas mais lindas que já senti.

Mil, dois mil, cinquenta milhões de corações seguindo o ritmo do meu pé esquerdo numa jig não se comparariam a olhar nos seus olhos e ouvir o som de nós dois. Eu acho que esse silêncio vai me seguir de palco em palco eternamente, cativando para sempre esse lugar vazio. Esse lugar onde nada cabe. Esse lugar que grita por um nome que evito ouvir, numa negação que  quase me faz não compreender esses longos faróis que tem me seguido desde que isso tudo começou; Luzes verdes, roxas, vermelhas. E cabos, cabos, cabos e mais cabos. E mais luzes. E pessoas e seus olhos e seus gritos maravilhosos. Eu deveria me sentir um rei.

Ainda assim, me sinto como se estivesse em meu próprio quarto, sozinho com a chuva que chove em mim, querendo ser ouvido por alguém que mora longe do meu prédio. E não é engraçado como a solidão de dentro esvazia todo e qualquer lugar por onde nosso coração passa batendo? É como se as luzes se apagassem pelos postes.

Eu acho que eu poderia tocar para a realeza dos reinos mais imponentes. E eu poderia encantar nações com algumas cordas e mover planetas com meus dedos. Eu poderia ser senhor dessa vida, eu gosto de pensar. Ainda assim, dia após dia, eu não consigo - e nem conseguirei, honestamente - não ser arrebatado pelas atrocidades que um amor e um porém podem florecer e oferecer.

Mas esses aplausos e esses gritos me fazem continuar.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Carnaval


- ... Achei que ele tinha voltado pra árvore mágica.

Nunca pensei que ouviria essas palavras numa conversa séria, mas aqui estou. Acabei de passar os olhos nesta frase e, realmente, é um daqueles momentos em que a vida nos mostra que temos sim, pelo menos, um pouco de sorte. Temos sempre onde nos segurar.

Eu e meus amigos: todos quebrados, todos estranhos, todos bizarros. Temos vodka e sprite - nada de vinhos caros. Somos todos contra coisas atrozes como o machismo e as pessoas babacas que preenchem essa cidade e esse país. Esse mundo, meu caro, esse mundo é nosso. Mesmo que nos digam que somos um bando de destrambelhados. We might be hollow but we're brave.

Temos uma árvore mágica protegida por um mini-cercado que me lembra os arames da jaula do T-rex em Jurassic Park. Temos palavras nossas - nossa própria língua - e nossos risos e gritos e canções. Temos nossa própria felicidade. E meu coração manchado parece intocado quando estou perto deles. Ah, e temos uma Rata, amiga nossa.

E a luz dos postes são como pequenas lâmpadas natalinas para nós, e nos embalam em baladas circulares. E giramos na calçada como feiticeiros em rituais e casualmente largamos uns aos outros para sair em turnês de vinte minutos preenchidas por beijos e corpos que nos cativam.

Nos afogamos nos lábios de garotos que caem perdidamente apaixonados por nós; e os largamos para trás com suas bocas marcadas e seus suores noturnos. Rimos sem parar, como se estivéssemos nos vingando do mundo inteiro por tudo que ouvimos desde sempre.

Rimos alto até a hora de ir à praia. E voltamos para nossas casas lá longe ao som de mais risos e pequenos refrões. Às vezes em conversas que vão desde as camadas polares de uma das luas de Júpiter aos papos depravados sobre sexo com taxistas.

Dormimos por 5 horas e despertamos  para comer pizza, cansados e felizes.

A primeira música toca e estamos prontos para anoitecer à nossa maneira mais uma vez. 
Sempre.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Sobre Montanhas e Palavras



Esta noite movi montanhas por você. Montanhas descomunais e invisíveis, dentro de mim.

As movi porque não consegui fincar meus pés no chão, e tudo o que eu queria era voar  - o que por hora é impossível - me deixando como única escolha correr dali, fugir daquelas bocas e daquelas mãos em que me lancei nessa tentativa de fuga inútil. E digo inútil porque correr dali não seria correr de você, mas para você. Como quis correr até sua boca, e aprender a escalar suas paredes, explorar suas cordilheiras e desvendar seus rios. Falar tua língua e te olhar nos olhos.
Quanto mais bebia, mais rápido eu andava. Mais eu corria para dentro de mim mesmo, desesperado para mover as montanhas que me segurariam.
Quis correr dali, largar todos pra trás e enfrentar os ladrões da esquina, o metrô da madrugada, os bêbados, os mascarados... E aparecer lá. 

Que bobo, né.

Mas não iria até lá para te beijar, nem para ter uma conversa boa - tenho noção - mas para te ver, assim mesmo, de longe. Apenas te ver. Mostrar que estou nessa luta. Queria apenas te ver e provar que posso ir aonde você for. Sempre. Mas me disseram que não. 

Ouvi que se você quisesse me dedicar poesias ao pé do ouvido você já o teria feito; e que seu silêncio é maior que tudo isso aqui. Maior que a gente.
Me disseram que acabou, que perdi e que eu não me amo o suficiente. Que se te ver de longe é tudo que posso ter, estou vivendo de migalhas. Me disseram que você não quer me ver e que meu tempo está indo pelo ralo. Ouvi que já deu. Que está escroto. Que preciso aceitar que a vida é isso aí. Que a gente perde mesmo e temos que engolir a seco e crescer. Ouvi que os filmes me fizeram assim; e apesar de tudo isso fazer um sentido perfeito, eu ainda sinto falta de um bom motivo para largar o restinho de perfume seu que carrego até hoje aqui dentro.

Essa noite palavras levaram meus suspiros embora. Os assopraram para longe um a um, derrubando cada flor invisível que imaginei para você. Palavra por palavra. Por um momento tudo foi embora, menos as montanhas. 

Elas estavam aqui dentro, em algum lugar. E as movi de forma que meus pés se fincassem no chão, e preso fiquei. Com o mundo se virando em mim. Acho que hoje encontrei forças para desistir de você - mesmo que por um dia - e teoricamente eu deveria me sentir bem.

Mas não.

Destruir um sonho e agir pelo seu bem. Perder o amor próprio. A linha é tênue assim?

Eu acho que ainda vivo num mundo em que lutar por coisas bonitas e reais vale a pena.


Você é uma delas.