Eu sei que eu não te amo, mas eu também sei - e muito bem, acredite - que você tem aí dentro de ti algo que de alguma forma chegou a mim e iluminou lugares que eu nem sequer sabia que existiam. Ridículo, eu sei. Três meses sem escrever uma linha de meus supostamente profundos textos e agora apareço com um discurso de mocinha de dezesete anos. Bem, eu não vou dar ouvidos a mim mesmo, até porque acredito que você não vai ler essas palavras... Acredito mesmo, porque acreditar é tão bom, meu Deus! Acreditar signfica ter certeza de algo sem banir por completo as possibilidades que queremos ou não que venham a se concretizar.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Sem Título
Eu sei que eu não te amo, mas eu também sei - e muito bem, acredite - que você tem aí dentro de ti algo que de alguma forma chegou a mim e iluminou lugares que eu nem sequer sabia que existiam. Ridículo, eu sei. Três meses sem escrever uma linha de meus supostamente profundos textos e agora apareço com um discurso de mocinha de dezesete anos. Bem, eu não vou dar ouvidos a mim mesmo, até porque acredito que você não vai ler essas palavras... Acredito mesmo, porque acreditar é tão bom, meu Deus! Acreditar signfica ter certeza de algo sem banir por completo as possibilidades que queremos ou não que venham a se concretizar.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Onírico III
Após um considerável aumento na velocidade em que eu me encontrava, fui lançado para fora do túnel de pedra, agora levemente flutuando e pousando no meio daquela paisagem desconhecida. Eu me encontrava em uma grande planície desértica e árida, que me passava uma solidão incontestável. A terra lisa e plana entrava em um contraste estranho com aquele céu roxo que, àquela altura não mais me instigava a investigar o lugar.
Senti um certo desespero, embora não mais estivesse só. Havia muitas pessoas ali. Todas cobertas em vestes estranhas, panos que remetiam às nossas culturas indianas e árabes. Não me lembro com detalhes, mas sei que esta é a única associação que consigo fazer entre aquele povo e alguma coisa que eu de fato conheça. Para ser mais exato, não diria que ali se encontrava um povo apenas. Talvez fossem pessoas de diferentes povos, não sei. Tenho a vaga impressão de que ouvia diferentes línguas, em diferentes timbres e cores...
Aquela planície possuía um quê de ponto de convergência de viajantes. Em um primeiro momento, minha impressão era a de que se tratava de um local de trocas, compras etc. Entretanto, a situação era assustadora. Dei-me conta de que o tumulto que lá ocorria se constituía do pranto de alguns e dos gritos de outros, percebi a ira dolorosa daqueles que lá estavam. Pareciam pobres e extremamente injustiçados. Tal lugar parecia o que aqui na terra conhecemos por campo de concentração. Pude reparar que algumas pessoas procuravam por outras, enquanto algumas limitavam-se a gritar. Eu estava entre elas, mas não sabia o porquê. Estávamos todos apertados, contidos em um determinado perímetro por força daqueles que pareciam ser soldados.
Estes por sua vez eram seres um tanto maiores, que se encontravam em cima de animais grandes como os cavalos. Confesso que não me recordo se de fato utilizavam tais animais ou se – e não tenho medo de dizer que isso me parece o mais provável – se travam dos animais em si, como se fossem centauros. Essas criaturas possuíam chicotes com os quais repreendiam aqueles que tentavam se manifestar ou agredi-los de perto com palavras. Lembro de uma mulher sendo chicoteada a nossa frente, causando grande tumulto entre nós, que estávamos por perto. Lembro-me de não estar realmente amedrontado neste momento, pois após algum tempo eu queria apenas me situar naquele cenário caótico. Só queria entender o que ocorria.
Mil coisas se passaram pela minha mente ao ver tudo aquilo... Atordoado, consegui manter a calma para só então perceber que havia armas. Chocado, notei que aquelas pessoas estavam a ponto de travar uma verdadeira batalha. Algumas estavam portando armas exóticas sobre as quais não sei falar absolutamente nada. De fato era isso. Uma revolução, uma grande batalha, uma revolta que não poderia ser contida. Eu não deveria estar ali, sob aquele céu. Não tinha e nem tenho idéia de como fui parar em tal local. Corri rumo á planície, tomando impulso para me lançar de volta ao túnel de pedra. Tal escolha me fez despertar em meu quarto, assustado como de costume.
Não conheço aquela terra, não conheço aquelas pessoas e muito menos aqueles seres tão brutos. Havia uma imposição de poder da parte deles, como se fossem colonizadores, talvez. Me intriga ter ganhado a consciência em um local que se encontra sem um ponto definido no tempo e no espaço; e me intriga mais ainda ter percebido claramente os sentimentos daquelas pessoas, mesmo sem entender sequer uma palavra das estranhas línguas daquela terra de céu púrpura.
sábado, 2 de agosto de 2008
Onírico II
A idéia de realizar o menor movimento para levantar-me soava como um esforço hercúleo. Pedaços de silêncio e sono, mesclados, penduravam-se delicadamente nos detalhes de meu quarto.
Imerso na penumbra tentei chamar sem sucesso por meu irmão, que dormia na cama ao lado. A sensação de acolhimento que a sonolência provia agora parecia desfazer-se. Não conseguia pronunciar absolutamente nada e, muito menos, sentia minha respiração fluir. Tal quadro me pareceu muito grave, me preocupando ao extremo. O sono já havia se dissipado e agora eu tentava – ainda sem sucesso algum – levantar-me para buscar ajuda. Foi então que notei as formas peculiares que estavam diante de mim.
Pude reparar nas silhuetas daquilo que pareciam ser duas meninas por volta de seus treze ou quatorze anos. Não conseguia distinguir, em meio à penumbra, as cores de seus cabelos longos ou de seus vestidos. Eram sombras sentadas aos pés de minha cama, aterrorizando-me a cada vez em que eu tentava chamá-las a atenção em vão. Pareciam procurar algo, ou simplesmente conversavam. Trocavam confissões, talvez... Eu tentava gritar. Eu queria sentir-me livre, tentando aplicar uma força verdadeiramente descomunal para mover um dedo que fosse.
Parei em choque quando, para meu desespero, notei aquilo que parecia estar me olhando de cima. Esta terceira figura – também ela uma sombra - se tratava de uma figura masculina, que por sua vez se encontrava por trás do espelho de minha cama. Minha voz soava distante, como se eu estivesse dentro d’água. Meus gritos perdiam-se em meio a um estranho silêncio, sendo o único som nítido uma ofegante respiração que parecia alternar-se entre meus ouvidos, indo freneticamente da direita para a esquerda, da esquerda para a direita. Sentia como se algo me segurasse, prendendo-me àquela cama e àquele quarto, forçando-me a ver as três criaturas que me acompanhavam.
Ao não mais suportar aquilo, me rendi; e desistindo de gritar ou de chamar por qualquer ajuda, finamente me movi, correndo em lágrimas para o quarto de meus pais. Acordei-os afirmando com angústia que algo se encontrava em meu quarto. Contudo, eu sabia secretamente, bem no fundo, que além de meu irmão nada havia lá. Disfarcei as verdadeiras raízes de minha angústia, que não passava de uma triste frustração.
Eu havia pela primeira vez despertado em um mundo que não era o meu e mal o explorara por conta de minhas tolas inseguranças. Assim, o medo e a aflição perdiam suas cores à medida em que eu me embalava na possibilidade de ter finalmente encontrado as fadas com as quais sempre sonhei. Seres que talvez me guardassem, trocando segredos aos pés de minha cama.
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Onírico I
Parado ali eu tentava compreender o que estava se passando. Tudo estava muito estranho e aquele ambiente não me inspirava muita confiança, apesar de também não instigar em mim o medo que sempre sinto diante do desconhecido.
- Henrique! Bom te ver! Entre, entre!
Entrei tímido, pois reparei que minha presença chamava atenção. Todos os que lá estavam era senhores e senhoras de idade avançada. Não sei se de fato viviam naquele lugar, que a essa altura já me remetia a um ambiente hospitalar – novamente, associação por conta da iluminação, das cores etc. – O fato é que além de todos aparentarem uma idade avançada, todos vestiam roupas brancas. Passavam por mim sorrisos simpaticíssimos, acolhedores. Sorriam em cada gesto, aqueles que lá estavam. Todos os olhos azuis fitavam-me num misto de alegria e curiosidade. Todos pareciam me conhecer, fazendo com que eu me sentisse muito bem recebido, apesar de extremamente confuso. Desta forma fui conduzido a uma ampla varanda, em outro andar, acredito.
Ao adentrar novo ambiente percebi diversas mesas brancas, quase iluminadas. Possuíam detalhes dourados muito bem esculpidos, que culminavam numa ornamentação estupenda, a meu ver. O ambiente agradável daquela varanda, aliado à cor branca das mesas, gerava um contraste interessante com o céu que, até hoje, é o mais negro que eu já vi. Não vi lua, nem vi estrelas naquele céu. Tampouco ventava naquela varanda, algo que agora, ao lembrar-me deste episódio, muito me intriga.
Sentado a uma das mesas, me foi dito que deveria aguardar ali, o que fiz sem que estivesse nervoso ou aflito, até perceber três senhoras que se dirigiam à mesa. As três possuíam longos cabelos brancos. Contudo, me recordo com certa riqueza de detalhes apenas de uma delas, que possuía longos cabelos acinzentados e um pouco encaracolados. Lembro-me vagamente de reparar em alguns colares pendurados em seu pescoço. Tal senhora, diante de mim, indagou simpaticamente:
- Então, Henrique. Como se sente desencarnado?
Parado, em choque, percebi o que se passava. Num ato súbito e impensado, não me contive:
- Mas não estou morto! Não estou desencarnado coisa nenhuma!
As três senhoras agora aparentavam uma verdadeira indignação, e reclamavam, nitidamente alteradas. Não sei ao certo se discutiam entre si ou se me repreendiam. Eu sentia como se houvesse as ofendido profundamente, pois minha resposta impensada instalara um verdadeiro rebuliço na harmoniosa varanda.
Enquanto tentava me desculpar, ou acalmá-las de alguma forma, fui surpreendido por um vento muito forte, que golpeou a varanda, me carregando dali sabe Deus para onde.
Despertei em minha cama num pulo. O frio na barriga revirou-me o estômago.
terça-feira, 3 de junho de 2008
O Ipod e o Tempo vs. Eu e o Chão
Esta é a melhor hora para se fazer esse tipo de coisa. O sol vai deixando meio planeta parado durante a noite para tocar para frente o tempo do outro lado do mundo. Essa é a hora mágica que escolhi para viajar no tempo. Meio nada a ver, mas que seja. Venta o suficiente para bagunçar todo meu mais novo corte - SO gay. Well, tell me the news - e eu sigo com um frio na barriga que congela até meu rosto. Com as poucas estrelas que surgem tímidas, o vento traz gotas de cheiros aparentemente velhos. Em cada golpe de ar inúmeras gotas; em cada gota inúmeros anos que chegam a mim em forma de faces, sorrisos e canções. Ái, as canções! Uma atrás da outra literalmente me esfaqueando - I'm falling apart, I'm barely breathing... - eu sigo de cabeça erguida.
Caminho e finjo não ver as pedras que estão naquela praia desde antes de eu nascer. Finjo ignorar as pessoas que sempre estiveram sentadas nos mesmos lugares e os barquinhos que sempre enfeitaram a mesma paisagem. São olhares tristes que não me viram crescer, embora eu sempre os tenha visto. Todos sempre estiveram lá desde que me conheço por gente. São figuras que não têm a menor idéia de que cresci guardando seus rostos, seus lugares e seus olhos melancólicos. Passo por tais ícones segurando 10 anos de lembranças em poucas lágrimas que não caem. Tudo me lembra tudo - Life has a funny, funny way... - em um encadeamento de lembranças que mais parece uma avalanche.
É uma espécie de castigo me sentir tão preso a essa ilha. Ainda mais quando quem realmente importa não mais se encontra aqui, seja em corpo ou seja em mente. Existem algumas pessoas que até sabem que são estrelas no seu céu, mas estas, na minha vida, sempre fazem questão de se dissipar. Nenhuma sente essa saudade. Nenhuma evita esse caminho para não ser arrastada para o passado. Pior ainda: nenhuma enfrenta esse caminho para ser arrastada para o passado. Para mim esse caminho não passa de uma ferida que, apesar de sangrar apenas quando eu mexo nela, não está fechada. Ferida só minha. Ferida sozinha.
Obviamente nem tudo em um caminho como este é fácil de encarar. Sei que a antiga casa de um grande - meu melhor - amigo fica ali naquela ladeira, perto da nossa (ex) escola - And I wanna believe you, but I don't... - e trato de passar direto pela esquina que poderia me levar até lá. A coragem não é tanta assim. Me contento em lembrar de cartas de baralho, almoços e tardes de educação física. Tardes que culminavam em preguiçosas horas na casa dele. Até sorrio.
No fundo eu gosto de sentir cada cheiro e olhar em cada um dos olhos que não se lembram de mim com esta mesma dor. Talvez seja uma benção esquecer das coisas... Ou simplesmente contemplá-las sem sentí-las. Comigo é tudo sempre diferente. Quanto mais o tempo passa, mais fortes as lembranças voltam. Então eu me deparo com tias que hoje são senhoras sem rosto e professoras de ciências que em plena sexta série me defendiam de futuros trogloditas – Lê-se crianças heterossexualmente escrotas - e hoje caminham como eu, só que pensando no presente (era ela sim, eu vi!). É uma auto-tortura esse trajeto, eu sei. Talvez se eu o fizesse acompanhado de alguém e sem esse ipod torturador ele não me doesse tanto - the space between é uma escolha simplesmente escrota. Show me some respect, shuffle uó!
Bem, no final das contas, essa dor aqui, de saudade, eu faço questão de manter. Vou abrir essa ferida todas as vezes em que o presente me arrancar lágrimas. Chorar de saudade é sempre melhor do que chorar de tristeza; e cada vez que eu chorar por tudo que vivi com vocês, cada vez que cada curva e cada árvore e cada portão me abater por causa de vocês, lembranças, vocês se tornarão eternas e reais em qualquer lugar, a qualquer momento; e vão ficar marcadas em ventos futuros que vão me envolver e me arrastar tempo afora todas as vezes em que eu sair para caminhar. Quer vocês queiram ou não.
- I got all the time for you, love...
quarta-feira, 30 de abril de 2008
Crescendo
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Uma Vida Inteira (And he knew it was love...)
Ao passar a mão em seus cabelos bagunçados, ele concretiza em seu olhar o oceano inteiro em uma única gota de saudade. O mar em seus olhos acolhe e dissipa dissimuladamente as saudades que virão quando o futuro pressentido chegar. Sente saudade daquele mesmo momento, delicadamente observado de uma bicicleta parada na areia. Nunca soubera por em palavras tal evento, mas era puramente saudade. Uma saudade afinada, em tom menor, daquilo que estava acontecendo. Saudade de tudo aquilo que ele nem havia vivido.
Tinha a certeza da veracidade do estranho sentimento, pois sentia algo maior por vir. Ouvia a grandiosidade do poder de sonhar, sentindo assim, antecipadamente, saudade das águas obedientes à lua crescente, existentes apenas ali, no seu mundo isolado e simples. Já sentia saudade de qualquer noite de segunda-feira de maio. Noites em que estava sozinho em casa, dançando canções que somente a ele pertenciam. Noites com cheiro de cravo e canela, em páginas borradas de deveres mal feitos e sonhos. Sim, sonhos! Com sonhos, quem precisaria de deveres? Sempre falaria isso em alto e bom tom, rindo de sua própria falta de sensibilidade em relação ao que não lhe interessava.
Seus simples gestos diante do hibridismo daquele estranho sentimento era um ritual diário: bicicleta, praia, lua e vento. O enlace que unia passado, presente e futuro se dava em tais momentos, os tornando pequenas dádivas que portavam o título de verdadeiros milagres secretos. Ficaria horas imaginando como cada alegria realizada no futuro viajava no tempo e o atingia lá no passado – para ele, presente – fazendo-o sentir uma felicidade inexplicável.
Tentava decifrar que alegrias futuras transitavam assim, da frente pra trás. E perdia-se nas horas tentando saber se escapavam do futuro para o passado por serem alegrias grandes de mais para caber em um tempo só. Poderiam ser beijos correspondidos, sorrisos doces ou simplesmente abraços apertados. Tão inexplicável, mas até certo ponto, pois ele sabia que tudo isso era amor. Era uma flor nascendo em meio às pedras! Tais alegrias misteriosas eram os olhos de anjos confidentes! Eram o prenúncio de sonhos realizados em um futuro não vivido e muito menos especificado! Então, ao sorrir, inexplicavelmente ele sabia que quem se colocava por trás de tudo, quem permanecia até o fim, era o amor... Tão além do que ele poderia compreender, mas era o amor... E foi assim que ele sorriu e percebeu os sons do tempo.
Quando ele passa a mão nos cabelos bagunçados, de frente para o mar, lá no passado, ele está no futuro vendo um mundo que existe além da porção de terra ocupada por ele. Seus dedos atravessam seus cabelos para tocar o rosto do amigo que ainda não entrara em sua vida; Seus dedos tocam as cordas que ainda nem sequer foram pensadas por suas mãos pálidas de noite de outono e seu coração, perplexo e gelado, chora a partida daquele que antes mesmo de chegar já foi embora. Laços do tempo transformando-se em indecifráveis nós dentro do coração humano. Ele sabia que era o amor vencendo o tempo.
Mas com sonhos, quem precisaria de tempo? Pensa ele no futuro - para ele, presente - ao digitar este texto.
Sabe então que o amor é tudo o que ele pode compreender.
segunda-feira, 17 de março de 2008
O Efeito Loxian
"Eram íntimos, eram dois e eram um, pois na eterna noite que é o espaço tudo é possível", me disseram certa vez, não me deixando dúvidas quanto a autenticidade dos sentimentos que nasceram daqueles olhos presos em uma estrela. Há quem diga que no momento em que ambos se cruzaram todas as outras estrelas sentiram-se magoadas e invejosas em relação àquela amizade.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
Violino
Há muito fui iniciado em uma arte
que não requer instrumentos, técnicas
ou até mesmo inspiração.
É a arte de amar aquilo que está ali,
calado no seio do futuro.
Sonho invisível, que tímido,
não chegou às minhas mãos.
Aprendi a esperar e adorar aquilo que desejo;
E obrigado a ferver no amor pelo invisível,
Fui iniciado contra minha vontade.
Aprendendo que se esperar, com paciência,
É uma virtude;
Amar o incriado é uma arte.
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
ελεγεία (Elegia)
“But afterwards there occurred violent earthquakes and floods; and in a single day and night of misfortune all your warlike men in a body sank into the earth, and the island of Atlantis in like manner disappeared in the depths of the sea.”
Um raio rubro foi aquele primeiro a cortar o céu negro daquela noite. Veio com a rapidez de um pensamento frívolo, daqueles que passam desapercebidos pelas mentes tolas dos homens. Tal raio cortara as entranhas do céu declarando que o fim era ali, dando início à última tempestade que vi em minha antiga terra. A glória que reinava nos fartos tempos passados sangrava caída no chão, que sob os nossos pés desabava em grãos úmidos e sem vida, sem paz ou qualquer esboço de esperança. Juntamente com os raios, as gigantescas ondas abatiam-se sem piedade, lançando pesados golpes aos homens. Todos rastejavam como vermes, inconformados e banhados a lágrimas e ecos das antigas profecias. Com a queda das ondas veio a queda da grande torre; e com a queda da torre, a queda da realeza daqueles homens, estes sendo os primeiros causadores de todo o caos, aqueles que iniciaram a maior queda que a terra já presenciou dentro dos confins dos dois grandes e inseparáveis sábios que são o tempo e o espaço.
Despertei em meu leito com o grito de uma criança vindo dos jardins. Apesar de ter sentido há dias os pequenos tremores na terra, naquele dia havia algo a mais. Peregrinos vindos da costa oeste se encontravam desolados, sem suas casas e seus bens. Alegavam que ondas gigantescas haviam destruído tudo fora dos limites da costa. Em meio ao caos que tomava conta de meu vilarejo, o silêncio chegou com a queda do poderoso raio, que lançou sobre a terra um crescente tremor, tirando todos nós de nossos lares. Pouco a pouco o céu fechava-se em um tom negro de rebeldia e punição. Não restava dúvida de que as profecias se concretizavam. Senti o pânico tocar o coração de todos os meus companheiros. Permaneci imóvel.
Observando descrente e confuso o que se passava, tentei me encontrar em meio a triste guerra travada entre os Deuses e os homens. Todos corriam em diferentes direções. Ouvia gritos incandescentes, urros desesperadores. Me virei lentamente, em choque, ao me dar conta de que ali, entre tantos gritos sem sentido, ouvira meu nome. Da escuridão e da agonia, meu nome pronunciado veio como uma gota de luz em um escuro abismo. Não morri e nem me entregaria. Não eu. Jovem que era, tinha em mim a ambição típica daquele povo que em poucas horas se transformou na mais grandiosa lenda, passada de voz em voz, de sábio para sábio.
Virando subitamente vi minha casa afundar-se em míseros instantes terra a dentro. Minha vida inteira, minha família e lembranças agora estavam nas profundezas. A gota de luz se perdera no abismo. Corri. Não ousei olhar para trás. Corri rumo ao Leste guiado por instinto, sentindo uma forte presença vermelha nos céus. Não ouvi o medo, meus caros. Nem sequer pensei. Mas ouvi meu coração orgulhoso clamar por vida e senti minha alma queimar no desejo intenso de perpetuar a vida de minha poderosa nação. Não deixaria o fim daquela terra me levar.
Ao parar debaixo da copa de uma antiga árvore, o dia já havia se transformado em noite, descendo seu escuro manto sobre aqueles que outrora reinavam soberanos sobre os homens. Raios cada vez mais estrondosos ruíam as torres de minha amada terra, até então poderosa rainha dos mares... Corri por entre as árvores a fim de alcançar uma das últimas embarcações que saíam da costa leste rumo às abundantes terras dos colonos. Rumores diziam que tais embarcações se encontravam preparadas pelos antigos há muitas semanas.
Foi então que, passando uma última vez pelos bosques, em direção às praias, avistei de longe o imponente templo do Sol. Estava tão silente, tão calmo... Parecia inabalável a todo o caos que se instalara desde a manhã daquele dia. Era meu dever como filho daquela terra me despedir. Ali eu mal sentia os tremores e os ruídos assustadores que vinham das profundezas da terra. Suas paredes contavam toda a história da humanidade até então viva, através de cores, rostos e nomes dos quais jamais esquecerei.
Caminhando pela ala central lembrei do poder construído pelos homens através de milênios de existências naquelas terras azuis, filhas da água; e de seu interior pude contemplar pela última vez a visão da lua vista diretamente da janela maior. Estava vermelha, claramente visivel atrás de algumas nuvens; e como uma verdadeira soberana ela fazia dos raios seus meros aprendizes, pequenos sinos anunciando a fim daquele negro capítulo. Pareciam vir dela, caindo e afundando – talvez ornamentando, até - as terras em um cataclismo capaz de abalar mundos inteiros. Lembrei de minha esposa e pensei em minhas filhas, por pouco não desabando com o templo. Queria sucumbir e tomar minha parte na fusão que se dava entre a imensidão das terras com a imensidão das águas. Fui interrompido pelas paredes que começavam seu amargo lamento de despedida. Ajoelhado diante do registro indelével de minha história, beijei o chão e parti.
Corri sem me virar, sentindo as terras que deixava para trás de cederem à água. Corri, dando cada passo em nome de minha vida, de minha família e de minha terra, alcançando por fim as praias que continham em suas antigas areias as memórias infinitas daquele povo tão orgulhoso e soberano. A fúria da estrondosa batalha entre as terras e as águas tornava quase impossível ter esperanças. Deseperadamente corri sem rumo algum. Nunca em minha vida ouvira sons tão funestos e pesados. Doíam em meu interior, pois se não fossem os sons das dolorosas lágrimas de minha terra, eram os gritos dos Deuses. Verdadeiros urros titânicos.
Ao atingir as areias, para minha surpresa avistei três embarcações, prontas para arriscar uma fuga. Me salvei levando comigo apenas as vestes que estavam em meu corpo, sabendo que as chances de naufragarmos naquelas furiosas águas eram enormes. Assim, tudo que me restou dos últimos instantes em que estive em contato com minha terra desde que acordara era a esperança de ter vida e tempo para crer em tudo que estava se perdendo.
Afastamo-nos o máximo que pudemos, gritando como homens em guerra, na tentativa de sufocar os gritos e ruídos ensurdecedores que agora tomavam conta de tudo. Havia fogo, névoa e muito ódio em nossos corações. Diante da natureza - e dos Deuses conseqüentemente – nós somos impotentes. Pensei no poder de nossos Deuses, incomparavelmente maior que o nosso. Lembrei de como a minha raça os desafiara, tentando tomar seu lugar na terra. O som dos tremores repentinamente colidiram em um só explosão, nos lançando a incontáveis metros de distância. Ao retornar a mim mesmo, percebi os estrondosos ruídos se juntarem em um único som, por fim cedendo espaço aos sons leves da água, que já recolhia suas gigantescas ondas.
Pouco a pouco o fogo sumira e os céus calaram-se. Senti que toda a terra podia ouvir o triste fim de meu povo. Fim no qual tudo se perdeu num misto de terras e água, banhados por raios ensurdecedores e fogo. Em apenas um dia e uma noite todo o império e suas fartas terras sucumbiram nas frias águas do oceano. Restavam apenas nós, a lua vermelha e as águas.
A Atlântida não mais existia.
terça-feira, 1 de janeiro de 2008
Samhaim
"As you turned to go I heard you call my name,
You were like a bird in a cage spreading its wings to fly
''The old ways are lost,' you sang as you flew
And I wondered why."
- The Old Ways, Loreenna McKennitt -
O motivo de sua fuga pelos mares era apenas um: o fogo. Nele perecia todo aquele que tivesse acesso às verdades da Grande Mãe. E em seu errôneo uso ele era obrigado a lançar chamas em milhares de mulheres, homens e crianças, que no fundo nada mais eram do que simples filhos da natureza, que jamais deixariam de lado seus círculos, suas danças e seus Deuses. Apenas o fogo, erroneamente comandado por homens-bestas, era capaz de impedí-los. E apenas o fogo, apesar de cruel nesta ocasião, os libertava de um mundo onde apenas um Deus poderia reinar, através do sangue derramado. Sangue pagão de quem carregava aquela que é tríplice no coração.
Perdido no passado era o tempo em que as forças opostas equilibravam a vida. Agora, em trevas se encontravam aqueles irmãos e irmãs, filhos da Grande Mãe, carregando o sangue que corre nas veias das árvores e dos rios. Almas leves que brotaram das flores e das pedras, outrora preenchendo as terras com suas cores e seus perfumes de Maio... Tantas perderam-se no fogo, enquanto raras tentavam se encontrar na água. Quase perdidas.
Tais almas navegavam guiadas pelo silêncio para a esperança de uma nova terra, rumo às clareiras e bosques que as receberiam em seus secretos altares como um palácio recebe sua realeza. Fugiam para uma liberdade temporária que acabaria em chamas mais cedo ou mais tarde. Seguiam para uma última celebração; e navegando em resquícios de doces sonhos de uma outra era, ela, como uma sacerdotisa, acariciava o silêncio como uma mãe acaricia seu filho doente.
Não crer? – Jamais. Não ousaria perder a fé naquela que sempre a guiara, pois sabia que em sua glória jamais pereceria. Sabia em sua alma que seu corpo era ilusão passageira, porém sua fé e sua arte poderiam sobreviver a qualquer ódio ou força de todo e qualquer homem. Cantarolava com orgulho e tristeza o hino à nova terra, sabendo que um dia, cansada da tirania dos homens, dançaria com vida na terra dos mortos; e sua arte renasceria em um tempo distante daquele, trazendo ela, seus irmãos e suas irmãs para um novo nascer do sol.