Começou como um doce fantasma que sai pela primeira vez de seu mausoléu, e seguiu bem lentamente enquanto abria passagem pelo ar com seu delicado perfume. Emanando mirra em sua levíssima dança, a fumaça do incenso vinha de mansinho para ajudá-lo em seu feito aventureiro. Começou pelos dedos dos pés: os envolveu, os acariciou e foi percorrendo seu tão conhecido caminho através dos pés, tornozelos e pernas até alcançar a cintura. Alcançando aquele estado ele respirou fundo e, embora tenha ensaiado exitar por um instante, lembrou de tudo que o esperava caso persistisse, permitindo que a antiga fragrância de mirra o conduzisse ao limite que o separava de tantas crenças humanas.
Abdômen, braços e mãos afundavam naquilo que soava como um delicioso sono; e se lembrava de tudo aquilo havia lido e de tudo aquilo que havia ouvido. Pouco importava se tudo que fora dito por suas tantas fontes era mentira ou não. O fato é que tais palavras o inspiravam a querer, a calar, a saber e a ousar. Ele queria conhecer. O que importava é que cada palavra capaz de tocar seu coração era ali uma peça fundamental. Verdadeiras professoras em uma prova que seria decisiva. Costas, pescoço, nuca... Afundando, se perdendo... se perdendo... Tinha a certeza absoluta de que adormeceria, botando tudo a perder mais uma vez. Seus olhos fechados não deixavam a penumbra do quarto o perturbar, fazendo ele se render de uma vez ao sono e se virar, desistindo de seu ambicioso trajeto. Agora sim ia descendo rapidamente como uma pedra no oceano. E seguia caindo de forma precisa, em queda livre, no abismo escuro e aconchegante de seu sono. Desistira sem saber que aquela entrega total viria a ser a chave que tanto buscava.
Então parou. Não estava acordado. Estava? Tudo estava imerso na escuridão e ele se sentia profundamente adormecido. Como ainda estaria ali, acordado, pensando? Lúcido! Estava pensando enquanto dormia? Não poderia. Claro que não. Esboçando uma conclusão ele ousou sorrir na sua face invisível de menino adormecido. E assim, naquele profundo rascunho de morte, uma energia pura e verdadeira veio repentinamente de seus pés, cruzando todo seu corpo até o alto da cabeça. Era isso, então! As palavras começavam a fazer sentido enquanto se sentia deslizar no meio do nada.
Sentiu-se encher aos poucos como um balão de gás sem fim. Foi ampliando seu espaço e seu contato com o mundo, sentindo-se do tamanho de seu quarto, de sua casa, de sua cidade! E quando sentiu que era do tamanho do universo, começou a movimentar-se no escuro de um lado para o outro em um determinado ritmo crescente. Sentia medo, justamente por compreender perfeitamente o que ocorria, quando ganhou força e abriu os agora peculiares – e verdadeiros - olhos de seu novo corpo. Olhou para baixo sorrindo ao ver a si mesmo, tão sereno, adormecido no aroma de Mirra. E mergulhou de cabeça no antigo espelho que há anos o desafiava a descobrir o que há por trás do mundo considerado real.