sábado, 14 de junho de 2014

(latim febris, -is)



Não há nada mais invisivelmente poderoso para acabar com as cartas de uma noite de sábado que uma febre. Sim, isso foi uma referência ao tarô. Eu sou esse cara. Bem, de acordo com o Priberam, a febre é um estado patológico caracterizado pelo aumento da temperatura no sangue, aceleração do pulso e inapetência. Ou um desejo ardente. Ou uma grande agitação. E eu fico com as três definições por hora, e vou mais além. Tipo, febre é algo horrível. Sério, isso é claramente subestimado, se pararmos para pensar que é o hipotálamo que controla a temperatura do nosso corpo, sempre abaixo dos trinta e sete graus celsius. Como um treco dentro de mim controla a temperatura de meus órgãos? Sempre vou achar isso mega esquisito. A gente não pensa muito isso, na verdade. E eu estava agora jogado na minha cama, alternando meu sono entre o peso do meu corpo e os vikings lutando na TV. Vish. Um verdadeiro exército em ebulição, que nem meu sangue. Há dias em que me sinto um guerreiro por ter vivenciado certas coisas – ser gay, ser músico, ser professor e todo o bla bla blá que não é bla bla blá; e às vezes tenho dias assim, em que eu sou basicamente uma amoeba mesmo. Roxa e gosmenta. Não me joguem na parede. Em suma, um fiasco.

Há pouco mais de um ano decidi começar a malhar e dar um gás numa revolução sexual definitiva que vai dos confins de meu guarda-roupa ao último fio da minha barba por fazer, e tudo tem ido bem. Aprendi a aceitar os pesos que levanto diariamente, a tapioca no lugar do pão. As frutas. O doloroso adeus ao kit-kat e ao twix, fiéis escudeiros de milhares de horas de mais de onze séries. Aprendi a me alimentar dos elogios que ouço aqui e ali. Das mãos cada vez mais requisitadas sentindo os resultados que nem chegaram. Nunca vivi isso, cara. Me faz tão bem. Mas daí hoje eu estou vergonhosamente patético, aqui nesse momento. Caladinho, indefeso e tomando chá numa taça pseudo-medieval-celta-hobbit-evoquing-RPG-sucker-kind-of-shit. A pior parte é que eu sei que isso é tão a minha cara. Eu sou tão brega, meu deus. Ou pelo menos posso ser. E nem tenho muita vergonha disso. Às vezes é um charme a mais, e às vezes eu tenho a impressão que não interessa o número de placas que eu consiga puxar na academia ou os cortes de cabelos que eu invente, no fim do dia eu ainda vou voltar pro meu quarto cheio de gnomos, nessa onda teen-wicca-nerd-gótica-que acha-que-se-morar-na-Irlanda-vai-viver-uma-coisa-parecida-com-Zelda-ou-Tolkien-ou-Game-of-bloody-Thrones-e-não-saca-que-vikings-e-celtas-não-se-davam-bem. E eu toco viela de fuckin’ roda. Aliás, semana passada estava tocando e decidi ir direto pra night encontrar meus amigos. Com um violino nas costas. Você pensaria que isso seria algo épico e sensual. BIG NO NO. Nunca me senti tão macaquinho de circo, ou violinista de churrascaria (nada muito contra o cargo, apenas não é para mim). Até o DJ se ofereceu para tomar conta do meu violino. Pelo menos ele era gato.

E galera, eu ainda por cima fiz letras! E hoje estou aqui ~dibowie~ ouvindo Forfun. E pensando em como vou conseguir me segurar estando perto do amor de minha vida da minha crush mais tarde. Aquele para quem me declarei há exatamente um ano, aquele para quem compus duas músicas em 30 segundos, e cujo o texto de aniversário me rendeu uma noite onírica em beijos e um ano de melancolia e confusão, partindo corações que se propuseram a me dar o que ele não pode ou quer me dar. Eu fiz um tumblr para ele, postando uma música que gostaria de cantar para ele por dia. Por um mês. Ele nunca nem ouviu a primeira palavra da primeira música. Sou um partidão, mesmo. Estou indo para a festa desse cara. Corram e me add. OK, parei. Voltemos aos meus heróis.

Eu vejo esses vikings saindo da Noruega num barquinho - uma porra de um barquinho charmoso, com uma serpente ou dragão ou sei lá o quê - achando que não havia terras ao oeste, desbravando o Mar do Norte e chegando às Ilhas Britânicas como se estivessem chegando em outra dimensão. Olha, eu preciso dizer que se você não desbravou o mar quando o mundo não era o mundo ou não desvendou e explorou um novo planeta habitado, você não é tão épico. Sim, sou meio chato em relação às coisas às quais atribuo esse adjetivo. Eu queria tanto essa adrenalina da descoberta. Eu sei que adrenalina vicia; sei disso porque de bicho do mato/múmia nos palcos me transformei em alguém que sente falta do frio na barriga pré-gig, tocando seja para três bêbados ou cinquenta mil pessoas num estádio. E eu queria tanto esse frio na barriga maior. É como se eu vivesse num jogo que já foi zerado, entende? E eu nem vi nada desse mundo. Nem 0,00000000000001% dele.

Não quero diminuir o nobre ato de viajar hoje em dia, e os deuses (#brega alert #wicca alert #nerd alert #folkmetal alert) sabem que me senti meio assim na primeira vez em que saí do Brasil e terminei pisando em Dublin. O que me parte o coração é que eu cheguei lá em 14 horas, sabendo o que me esperava. E com pavor (PAVOR) de avião. Não havia guerreiros para eu defender com espadas, nem o risco de não haver terra. Eu não achava que uma serpente gigante dos deuses bons engoliria meu avião e eu perderia meu lugar no céu, enchendo a cara com deuses e guerreiros épicos. O que eu estou tentando dizer é que eu já sei de quase tudo que eu posso ver em algumas horas, se eu tiver dinheiro suficiente. E o último cara com quem eu tive um lance veio do Equador. E uma das minhas melhores amigas é irlandesa e um senhor que vira e mexe pega a barca do centro comigo é holandês. E meu irmão está indo pra Croácia dentro de alguns dias. É um sentimento quase claustrofóbico, estar preso dentro de uma atmosfera tão limitada, tão pequena. Eu sinto isso aumentando diariamente. Vivemos numa redoma, na verdade. Eu quero ter medo de algo autenticamente desconhecido. Algo sobre o qual eu nunca li.

Eu bem sei que na época desses caras eu já seria um ancião para vivenciar uma aventura dessas. Aos doze anos você já podia ficar bêbado e ver todo mundo fazendo sexo em suas cabanas. Era uma época bem horrível, honestamente. Mas eu não resisto e saio de 475 A.D. para o ano 4.014 me perguntando se há algum carinha jogado em algum quarto pensando em como deveria ser a vida de um músico gay no Rio de Janeiro de 2014. Eles levavam tantos minutos até o centro da cidade, ele pensaria. Olha essas camisas xadrez, que engraçadas. E eles se banhavam nessas águas, talvez riam. Fios e cabos por todas as partes! E as pessoas fariam festas temáticas se fantasiando com base na nossa concepção de extraterrestres e em pessoas como eu, e talvez alguns desses meus escritos acabassem num museu ou numa universidade. Vai saber.

No fim do dia, o que mais me derruba não é nem a febre. 

É o tempo, mesmo. E nossa capacidade de ainda tentar lutar contra ele.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Friday the 13th



Eu estou aqui na praça de alimentação do meu bom e velho shopping te esperando com o celular na mão e a cara de quem esconde algo que pode ser tanto um beijo quanto a pior notícia do mundo. Tem um casal ali que, fosse isso aqui um livro, seria o foreshadowing desse nosso capítulo. Ele está focado na comida, falando algo por alto. Julgando pelas aparências, ele poderia estar falando de qualquer coisa chata da vida. Talvez sobre os tipos de parafusos utilizados em construções marítimas, talvez sobre a reprodução das abelhas. Pouco importa para ela. Seus olhos estão sorrindo o tempo todo, e ela não tem noção do quão não relevante seus olhos parecem ser para ele. Minha vontade é de levantar e mandar ela acordar. Gritar que isso que ela está vivendo é uma ilusão vazia e que alguém tem que ser muito imbecil para acreditar em algo do tipo. Eu quero fazer isso. Eu, de todas as pessoas. Chega a ser ridículo. Até as pilastras devem notar: Rique, o estranho, espiando estranhos no shopping e julgando atitudes relacionadas ao coração, quando na verdade... 

Bom, tiro o foco deles para confessar que vim mais arrumado que de costume porque entendo o tom solene de nosso encontro. E trago más notícias.

Me encontro agora entre as tais pilastras desse shopping. Estruturas que me viram passear com meus pais quando eu era pequeno e me contentava em criar histórias fantásticas sobre os magos de gesso da lojinha do primeiro piso. Essas paredes aqui me viram comprar inúmeras promoções do McDonald’s por R$4,95 e curtir minhas tardes de cinema sozinho depois da escola. Homens não existiam para mim lá trás, essas vitrines sabem. E essas mesmas pilastras e paredes viram eu me encontrar com um grande amigo meu para dizer que não estava afim da garota dele porque na verdade eu era gay, e atrás dessas mesmas pilastras eu me escondia com a galera descolada que se autoafirmava pro mundo como eu. E daqui eu já espiei tantos fantasmas da minha vida que você ficaria chocado. Pena que hoje o espiado sou eu.

Essas paredes estão esperando você chegar também. Me olham como juízes num tribunal cruel do qual todos sabem a sentença. E esse frio na barriga não vai passar; e eu vou ficar vermelho de vergonha quando as pessoas ao redor olharem para nossa mesa por conta da sua mão direita e seus passos furiosos.

Hoje essas paredes e essas pessoas vão ver você me deixar pra trás depois de dar um murro na mesa e sair cuspindo fogo e derramando lágrimas. Você vai se levantar e andar sem saber que onde você vê deboche há na verdade caos. Um verdadeiro desastre disfarçado de homem. Tenho aqui atrás desses olhos secos um universo inteiro secretamente em colapso, chocando planetas e oceanos uns contra os outros. E rostos e trovões... Tudo isso atrás de um sorriso sem graça. É que eu rio quando estou nervoso.

Eu quero que você saiba que esse meu silêncio não é apenas pavor de lidar com conflitos. Meu silêncio até agora, o fato de eu não ter te deixado... Tudo isso é a forma que encontrei de tentar te amar. De não te perder, apesar de tudo que eu realmente sinto. Apesar do monstro que tenho tentado domar há mais de um ano. E quero que você entenda que a impotência diante dos seus passos é maior que a gente e nossos sonhos adolescentes. E que ser adulto é isso. Nossa imobilidade diante desse quadro borrado é muito maior que nossos corações ou as árvores de seu país. Somos ínfimos diante disso tudo. Nomes que somem em um clique. Não há murro em mesa ou ponta de faca que controle meu coração, lindo. Nem mesmo essas lagrimas de uma terra tão distante que abriga florestas e vulcões, diante do pacífico. Eu sempre quis explorar o pacífico. E provar parte das águas dele na sua pele foi um sonho, sim. E como todo sonho que se preza, as ondas desse aqui acabaram de me trazer às areias da minha realidade. Eu me conheço. Posso sangrar e esgotar minhas lagrimas, posso ser um monstro nojento ou apenas um babaca – fair enough. Mas enquanto estiver seguindo meu coração, sei que estou no caminho certo. Instinto ou burrice? Um dia descubro.

Quero que saiba que alguém como você, rapaz, a gente só encontra umas duas vezes na vida. E por isso você merece mais que eu. Você não está aqui para ser a minha tentativa de esquece-lo. É tão simples que dói. É um corte, mesmo. Desses silenciosos que doem e sangram vários segundos depois de provar nossa carne. E é estranho pensar que o mundo gira normalmente agora, por mais que todos nós estejamos absolutamente quebrados e esgotados. Você entrando em erupções por mim, eu domando mares por ele; e ele completamente alheio a mim. A nós dois. Ou nós três. Essa vida é muito escrota. Dia desses li um livro fantástico que falava sobre isso. E até agora – especialmente agora - não sei se me sinto inspirado ou humilhado pela grandiosidade do universo e sua a notável capacidade de carry on independentemente da gente. Pois que o universo continue a nos ignorar. Os erros persistem, com ou sem a atenção dele. E os corações seguem partidos.

Típico de mim, sempre tão doce e estranhamente sedutor, estraçalhar corações assim. Síndrome de quem já foi patinho feio. Venham, tolos apaixonados. Tentem se salvar em minha falsa pose e depois lidem com o veneno e as cicatrizes. Eu vou tentar me salvar também. Somos todos egoístas no fim do dia, querendo apenas fugir desse grande naufrágio que é acreditar que precisamos ter alguém. Eu estou olhando para essas pilastras, aceitando essa nova ferida com falsa dignidade.

Elas me encaram com a indiferença de quem não tem nada a ver com isso, mas me espiam para terem certeza de que estou pensando o que estou pensando. E eu penso que, apesar das suas lagrimas cortantes e das mãos pesadas que não vou mais sentir em minhas costas, o gosto amargo de nosso ponto final não está no fato de estarmos numa sexta-feira 13, ou na lua cheia que vai despontar no céu em três horas.

Essas pilastras sabem tanto quanto eu que essa vida é escrota pra caralho; e que de todos os dias do ano que tínhamos para deixarmos nosso sonho, escolhemos o aniversário dele, o motivo supremo de eu ter tentado até aqui.

E a razão primeira de eu não te querer.


quinta-feira, 15 de maio de 2014

Das nossas escolhas


Essa história de culpar o tempo já deu.

Eu já estou ciente de que existem infinitos universos nos quais me desdobro em muito mais do que eu sou aqui e agora; e sim, acredito que algumas curvas temporais tendam mais à minha realidade/atualidade que outras. Ha. Me conte uma novidade. 


A questão é que nossas escolhas – pelo menos as minhas, meu caro – não são carrascos. Me recuso a vê-las como tal. Nossas escolhas são portas. Atalhos, muitas vezes acidentais, que dia sim dia não me levam a caminhos que evitam as coisas para as quais eu não estou pronto.


Com exceção da morte, anjo, tudo, tudo, tudo pode mudar. A vida se chama vida por conta desta condição. E eu vejo, eu sinto, e eu vivo a liberdade de encontrar mais à frente as portas que passaram por mim fechadas – as que deixei fechadas propositalmente. As coisas são assim. Ponto. E os corredores dessa vida podem ser todos construídos por números, porque números permeiam suas medidas e suas estruturas, seus pesos e seus equilíbrios. Seus limites. Números preenchem tudo o que me cerca, mesmo que eu nunca os tenha visto, ou tocado neles como em seus cabelos.


Acontece que os corredores da vida não são lineares, eles são fluidos; e se alteram a cada segundo, a cada tomada de ar que preenche meus pulmões. E sua ordem é constantemente alterada por palavras, porque as palavras não são apenas ventos e sons. Elas são pedaços de nós que mudam o mundo. Elas nos tocam, e nos movem e alteram tudo o que nos cerca, chegando ao ponto absurdo de destrancar as portas que deixamos fechadas no passado, trazendo-as novamente ao presente, sem chaves ou cadeados. Palavras são as mãos da nossa alma, e saber utiliza-las é saber comandar os quatro ventos e os sete mares. O tempo é pura ilusão. Não existe olhar pra trás. Apenas olhar pra frente renovando tudo que te permeia, tudo que te corta.


Eu não tenho essa fé superficial que se apoia apenas num deus. Para mim o mundo vai além da criação de um homem que quer ver seus filhos bem sem fazer nada para evitar suas lutas e suas dores. Eu tenho fé num destino que costura nossas escolhas uma a uma, como um lindo colar de pérolas. As escolhas erradas que fiz existiram para que as mais certas fossem feitas depois. Não há arrependimento, não há pena ou a amargura de nada poder ser feito. Meu mundo é guiado pela vontade e pelo carinho que os corações merecem. 


Nossas escolhas são portas, jamais demônios. Jamais rochedos eternos impenetráveis.


Acredite.

domingo, 20 de abril de 2014

Eclipse


A gota de suor que escorreu pelo seu nariz trazia em si o sal extraído de um ano inteiro de batalhas travadas, dia após dia. Uma batalha vencida, nos fins das contas, ainda é uma batalha. E batalhas arrancam pedaços imensos de nossos corações. O dela estava, pela décima-milésima vez, dilacerado.

Mais uma rasteira, mais uma vez joelhos lançados ao chão. Com quantos eclipses se faz um recomeço verdadeiro? Um tímido gemido de quem mais uma vez precisaria recolher cacos ensaiou preencher o quarto. Costurar um coração. Até quando trabalhar nessa colcha de retalhos?

Essa vida é recomeço sem fim.

Estava enrolada feito um caracol, abraçada a uma almofada verde-escuro. Prestes a sugar toda a vida que restava em suas células, ao tomar coragem para encontrar o ar necessário para levantar e recomeçar, o viu sentado em sua cama. O ser mais assustador que já cruzou seu caminho árduo. Parecia uma estátua.

Estava nu, e tinha longas unhas amareladas. Cada músculo de seu abdome branco levemente talhado pelas mãos de sabe deus quantas hordas demoníacas. Suas asas, parcialmente em cor-de-pele, estavam entreabertas e pareciam pesadas, mais um fardo que um sonho.

Seus olhos eram verdes e meio puxados, com um quê demoníaco avassalador. Seus cabelos eram negros, com cachos fatais que lembravam serpentes. Era assustadoramente lindo; e estava ali pronto para devora-la com fúria titânica. Aqueles olhos afiados, assustadoramente silenciosos, sabiam de quase tudo. Olhos antigos que viram os mundos nascerem e morrerem por eternidades. As maiores quedas dos maiores impérios. Aqueles olhos desejavam o ódio, se alimentavam de dor. E lá estavam para mais uma visita,  até encontrarem os olhos dela. 

Seus olhares chocaram-se como dois sóis em colisão. Ela ali, quebrada e mais uma vez cuspida pela vida, pôde ver toda a história da terra e do universo. Ouvir as engrenagens da vida. Os infernos que nunca cessam.

E ele, com sua fúria interrompida, sentiu pela primeira vez na sua eternidade a dor que os olhos humanos carregam. 

Seu olhar verde se quebrou em uma constelação de interrogações. E ela, sem mais vê-lo, encolheu-se feito um caracol.

Eu só preciso descansar.

Sua dor era maior que qualquer demônio.


domingo, 23 de março de 2014

Porém em Ré menor


Esses aplausos e esses gritos me fazem continuar. 

E você pode ser maior que tudo que me cerca, com exceção da música que corre em minhas veias. Eu deixo memórias perderem a cor, eu deixo estrelas caírem e eu rasgo cartas que sempre sonhei em enviar, mas não deixo e nem posso deixar de tocar essas músicas,  anjo. Disso eu nunca vou abrir mão - e eu sei que você não me pediria isso. Foi só um pensamento, mesmo.

Digo isso porque eu, antes tão tímido e com medo das luzes, me encontro nesse exato momento encarando mais de mil faces, o que equivale a, sei lá, mais de dois mil olhos sobre mim. Todos com o mesmo propósito feliz, acompanhado de bocas cantando alto, e me banhando com uma energia que poucas vezes senti. Mal caibo dentro de mim, vivendo esse sonho. Meu coração agora era para ser do tamanho do mundo, cobrindo tudo que essa terra carrega. Em vez disso, ele está apenas do tamanho dessa cidade, talvez do país.

E eu sorrio um sorriso triste ao lembrar de quando eu era bem moleque e tudo o que eu fazia à tarde era me perder num labirinto de pensamentos preenchidos por plateias, luzes de palco e aplausos. Jogado em uma rede com meus CD's e meu rádio, meu maior sonho era um dia tocar o coração de quantas pessoas eu conseguisse ao mesmo tempo, os amarrando como pérolas num colar, todos unidos em um solo tocado num Barcus Berry. Que sonho tolo, ter um Barcus. E que ideia, achar que eles teriam violinos coloridos para eu pegar aquele que combinasse com as cores que carrego aqui dentro. Como era bom sonhar tanto, todo dia. Mesmo me perguntando quais seriam as chances de qualquer pessoa - eu, especialmente - conseguir tudo aquilo. 

Sei lá. Na maioria das vezes, admito, tocar corações com algumas notas não é tão desafiador para mim. Outras vezes, como a nossa, é algo impossível de se fazer, porque corações são imprevisíveis e indomáveis; e no final das contas eu acho engraçado como algumas coisas podem ser. Apenas ser.

Isso sempre me pega.

Todas essas pessoas aqui, elas cantam em gritos ferozes, com seus punhos ao alto. 
Somos piratas quebrados e felizes, sempre correndo de alguém com uma garrafa de rum na mão. Somos bardos, somos magos, somos crianças que, tragicamente, nunca crescerão. E meu coração é como aquela corda de bandolim que cisma em arrebentar todo show, noite após noite. Corda quebrada e impossível de ser trocada. Insubstituível. Só temos um coração por vida; e usa-lo de forma sábia é uma noção básica de sobrevivência, mesmo que ninguém nos avise isso. Mesmo que ninguém nos conte que fingir que não temos um coração não protege aquele que temos e escondemos.

Eu não quero desrespeitar o Universo e tudo o que ele me trouxe e me traz. Não quero desrespeitar Deus ou os Deuses - se é que eles existem. Eu na verdade sei lá o que eu quero dizer com tudo isso. Eu sei apenas que não existem palavras para descrever o que é realizar um sonho desse porte. E eu reconheço isso e com toda humildade que encontro nas minhas células eu agradeço às estrelas que sempre me seguiram.  À minha avó e seu piano. Ao acordeão velho no quarto do meio. Aos meus pais, que saíram de um conto de fadas.

Só que há um porém. E ah, meu caro, eu nunca subestimei a fúria de um porém. O poder de um quase. Esse poder que interrompe a melodia de sonho sonhado há eras. Nunca diminui o tamanho de um se.

Há um porém que carrego comigo a partir dessa música. Um porém que dilacera todas as praias que banham meu coração, lançando suas águas em maremoto contra todos os continentes leves que carrego em mim, com suas fronteiras infinitas e suas florestas e cavernas e clareiras. Todo meu mundo interior é virado ao avesso, saqueado e tomado por esse cataclismo que tenho carregado feito um pingente. Esse porém existe selvagem e silencioso em um lugar que, vazio e silente, deveria acomodar as coisas mais lindas que já senti.

Mil, dois mil, cinquenta milhões de corações seguindo o ritmo do meu pé esquerdo numa jig não se comparariam a olhar nos seus olhos e ouvir o som de nós dois. Eu acho que esse silêncio vai me seguir de palco em palco eternamente, cativando para sempre esse lugar vazio. Esse lugar onde nada cabe. Esse lugar que grita por um nome que evito ouvir, numa negação que  quase me faz não compreender esses longos faróis que tem me seguido desde que isso tudo começou; Luzes verdes, roxas, vermelhas. E cabos, cabos, cabos e mais cabos. E mais luzes. E pessoas e seus olhos e seus gritos maravilhosos. Eu deveria me sentir um rei.

Ainda assim, me sinto como se estivesse em meu próprio quarto, sozinho com a chuva que chove em mim, querendo ser ouvido por alguém que mora longe do meu prédio. E não é engraçado como a solidão de dentro esvazia todo e qualquer lugar por onde nosso coração passa batendo? É como se as luzes se apagassem pelos postes.

Eu acho que eu poderia tocar para a realeza dos reinos mais imponentes. E eu poderia encantar nações com algumas cordas e mover planetas com meus dedos. Eu poderia ser senhor dessa vida, eu gosto de pensar. Ainda assim, dia após dia, eu não consigo - e nem conseguirei, honestamente - não ser arrebatado pelas atrocidades que um amor e um porém podem florecer e oferecer.

Mas esses aplausos e esses gritos me fazem continuar.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Carnaval


- ... Achei que ele tinha voltado pra árvore mágica.

Nunca pensei que ouviria essas palavras numa conversa séria, mas aqui estou. Acabei de passar os olhos nesta frase e, realmente, é um daqueles momentos em que a vida nos mostra que temos sim, pelo menos, um pouco de sorte. Temos sempre onde nos segurar.

Eu e meus amigos: todos quebrados, todos estranhos, todos bizarros. Temos vodka e sprite - nada de vinhos caros. Somos todos contra coisas atrozes como o machismo e as pessoas babacas que preenchem essa cidade e esse país. Esse mundo, meu caro, esse mundo é nosso. Mesmo que nos digam que somos um bando de destrambelhados. We might be hollow but we're brave.

Temos uma árvore mágica protegida por um mini-cercado que me lembra os arames da jaula do T-rex em Jurassic Park. Temos palavras nossas - nossa própria língua - e nossos risos e gritos e canções. Temos nossa própria felicidade. E meu coração manchado parece intocado quando estou perto deles. Ah, e temos uma Rata, amiga nossa.

E a luz dos postes são como pequenas lâmpadas natalinas para nós, e nos embalam em baladas circulares. E giramos na calçada como feiticeiros em rituais e casualmente largamos uns aos outros para sair em turnês de vinte minutos preenchidas por beijos e corpos que nos cativam.

Nos afogamos nos lábios de garotos que caem perdidamente apaixonados por nós; e os largamos para trás com suas bocas marcadas e seus suores noturnos. Rimos sem parar, como se estivéssemos nos vingando do mundo inteiro por tudo que ouvimos desde sempre.

Rimos alto até a hora de ir à praia. E voltamos para nossas casas lá longe ao som de mais risos e pequenos refrões. Às vezes em conversas que vão desde as camadas polares de uma das luas de Júpiter aos papos depravados sobre sexo com taxistas.

Dormimos por 5 horas e despertamos  para comer pizza, cansados e felizes.

A primeira música toca e estamos prontos para anoitecer à nossa maneira mais uma vez. 
Sempre.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Sobre Montanhas e Palavras



Esta noite movi montanhas por você. Montanhas descomunais e invisíveis, dentro de mim.

As movi porque não consegui fincar meus pés no chão, e tudo o que eu queria era voar  - o que por hora é impossível - me deixando como única escolha correr dali, fugir daquelas bocas e daquelas mãos em que me lancei nessa tentativa de fuga inútil. E digo inútil porque correr dali não seria correr de você, mas para você. Como quis correr até sua boca, e aprender a escalar suas paredes, explorar suas cordilheiras e desvendar seus rios. Falar tua língua e te olhar nos olhos.
Quanto mais bebia, mais rápido eu andava. Mais eu corria para dentro de mim mesmo, desesperado para mover as montanhas que me segurariam.
Quis correr dali, largar todos pra trás e enfrentar os ladrões da esquina, o metrô da madrugada, os bêbados, os mascarados... E aparecer lá. 

Que bobo, né.

Mas não iria até lá para te beijar, nem para ter uma conversa boa - tenho noção - mas para te ver, assim mesmo, de longe. Apenas te ver. Mostrar que estou nessa luta. Queria apenas te ver e provar que posso ir aonde você for. Sempre. Mas me disseram que não. 

Ouvi que se você quisesse me dedicar poesias ao pé do ouvido você já o teria feito; e que seu silêncio é maior que tudo isso aqui. Maior que a gente.
Me disseram que acabou, que perdi e que eu não me amo o suficiente. Que se te ver de longe é tudo que posso ter, estou vivendo de migalhas. Me disseram que você não quer me ver e que meu tempo está indo pelo ralo. Ouvi que já deu. Que está escroto. Que preciso aceitar que a vida é isso aí. Que a gente perde mesmo e temos que engolir a seco e crescer. Ouvi que os filmes me fizeram assim; e apesar de tudo isso fazer um sentido perfeito, eu ainda sinto falta de um bom motivo para largar o restinho de perfume seu que carrego até hoje aqui dentro.

Essa noite palavras levaram meus suspiros embora. Os assopraram para longe um a um, derrubando cada flor invisível que imaginei para você. Palavra por palavra. Por um momento tudo foi embora, menos as montanhas. 

Elas estavam aqui dentro, em algum lugar. E as movi de forma que meus pés se fincassem no chão, e preso fiquei. Com o mundo se virando em mim. Acho que hoje encontrei forças para desistir de você - mesmo que por um dia - e teoricamente eu deveria me sentir bem.

Mas não.

Destruir um sonho e agir pelo seu bem. Perder o amor próprio. A linha é tênue assim?

Eu acho que ainda vivo num mundo em que lutar por coisas bonitas e reais vale a pena.


Você é uma delas.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Lovely day

Essa é a terceira semana desde a volta das férias e, pela primeira vez, provavelmente em toda a minha vida, eu quero que tudo se foda. Tudo.

Foda-se mercúrio e essa mania de ser retrógrado. Foda-se marte em vênus ou seja lá o movimento que for que venha me prometer alívio. Que a maluca que me alimenta com essas coisas exploda em Urano. Que venha o inferno que for. Estou pronto.

Quero que meu salário se foda, que meu trabalho se foda. E pouco me importa se vão aprender a porra da voz passiva ou a caralha do presente perfect. Eu. não. ligo.

Quero que as reels e as jigs e a porra do Paddy's day se fodam. E todos os melhores violinistas do planeta podem estar aqui no país, na cidade ou na porra do meu bairro. Eu não ligo e não poderia me importar menos. Podem bater à minha porta - derruba-la, se for o caso - não movo um fio de cabelo em direção alguma. E nem é por falta de força - se trata precisamente do contrário.

E ligo menos ainda para você. E quero que você, mais que tudo isso, se foda.
Se foda e  leve contigo esse poder incrível de simplesmente ignorar o mundo que dediquei à você. Ou o mundo em si. Aliás, que esse mundo se foda também.

E estou aqui puxando essas placas, me lançando nesses ferros com uma fúria que poucas  vezes vi em mim. E tudo que eu consigo pensar é que para isso sim, eu ligo. Eu estou pouco me fodendo para você e seu olhar cínico. E pouco me importa se o próximo show da banda vai lotar ou não, se vou ganhar dinheiro ou não. Se esse cabelo ridículo vai crescer ou cair. Foda-se se tenho cabelos brancos. E que se foda também esse calor escroto, os babacas do francês, os memes, Bolsonaro e toda a corja de homofóbicos que enchem esse país. Que morram. E pouco me importa o almoço de hoje, a ausência da minha voz e a bateria do celular. Quero mais é que se foda.

Me moldo a ferro e sal. Fogo e suor.
Dessa vez eu vou destruir, meu amigo, porque a raiva às vezes alimenta também.
E hoje, fora isso, quero mais é que se foda.