quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Bound to Get Burned


Despertar com a voz dela no ipod é quase como ouvir a sua própria voz depois de um ano e um mês. Talvez por isso eu tenha acordado. Como sempre, repetir a música é uma tentativa de me apropriar de suas canções e, consequentemente, me sentir mais perto de você. Tática tola... Hoje nem faz sol, então te sinto mais distante ainda. Como se houvesse uma galáxia entre a gente. Normalmente eu me sentiria bobo, mas deixei de me importar com isso faz tempo. Vai entender.

Está tudo tão claro aqui que alguém poderia acusar artificialidade nessa luz. Essas janelas são enormes e esse cinza quase branco do céu reflete em tudo, como uma sala de hospital. O ônibus inteiro parece brilhar nessa luz escondida das 10:45 da manhã, principalmente esse meu casaco. Ele é da mesma cor disso tudo - desse céu, principalmente, o que me torna parte dele. Me sinto esticar, crescer, voar... Vejo tudo lá de cima. Sou o céu inteiro e é engraçado, isso. Como eu sempre achei que ser o céu seria algo grandioso. Mas me sinto vazio. Falta algo. Falta um.

A escola de circo atrás daquela estação ali me faz te esquecer momentaneamente e pensar na trança que escorre pelo meu pescoço. Não me arrependo de minhas escolhas, eu as amo de mais para isso. Mas a dor persiste, porque cada escolha minha, cada fio meu de cabelo, me afasta de você - uma das poucas escolhas que fiz que não dependeram só de mim. Olho para as roupas justas e para os malabares e penso numa época em que fugir com um circo era um ato de boemia romântica e aventureira, não mais uma rota perdida para artistas eternamente decadentes, escondida embaixo dessa imensidão cinza.

Sim, eu sou muito estranho. Eu vejo todas essas nuvens - exatamente nesse asfalto molhado - e sou interrompido por golpes violentos de pedaços de pensamentos. Uma bola arremessada. Pessoas aos montes e Ipanema ardendo em 50º numa tarde de janeiro. Seu rosto sério, seus passos leves, mas decididos... Sons e pedaços de conversas - suas frases. O mundo inteiro nesse momento é uma afronta a você e seus dias de sol, certo? Tento imaginar sua voz culpando bem baixinho a vida por esse tempo, fazendo suas contas astronômicas e desejando o sol com força, mesmo sabendo que todo esse brilho existe porque ele está ali, atrás das minhas nuvens. Tenho tanta inveja desse tal de sol. Sempre quente, forte e decido. A nota perfeita para a  canção vermelha que é essa cidade e suas maravilhas, sempre tocando em cada parte do seu corpo, escorrendo com sal e areia ardente. Perfeição. Esse misto de raiva e tristeza encontra conforto nesse meu cinza. Ele é uma ofensa a você e seu calor - como um falso xeque-mate que me sacia momentaneamente. E eu não sei, talvez eu espere que você, ao fugir dessas gotas e ignorar essas nuvens, lembre de mim. Ainda que não com a mesma força de antes. Essa força que eu desejo a cada dia, irmã dessa vontade de poder controlar quem eu sou e mudar cores sobre as quais não tenho controle algum. Essa vontade de virar sol  e mar; areia e sal - tudo isso que você tanto ama.

Tento pensar que apesar de nossos diferentes tempos e céus, somos todos pessoas normais e o mundo nos dá sempre as mesmas chances. Penso que o tempo pode virar ao meu favor para que sigamos com ao menos um dia normal, sei lá, talvez um com muito sol e uma bela chuva de verão ao fim, abrindo uma noite estrelada. Mas então eu me dou conta de que ninguém - ninguém mesmo - que é considerado normal, usa um casaco tão da cor do céu a ponto de se fundir com ele assim, dentro de um ônibus numa manhã chuvosa.

E daí eu desisto mais uma vez.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Vênus em Gêmeos


Esse vento frio vem diretamente de um ano atrás, como um amargo tapa em meu rosto. Eu me recuso a transparecer que me dou conta do mesmo. Sigo em frente com o falso orgulho mais sedutor e convincente que já existiu. Aquela velha arte de ocultar furacões e tempestades. Eu me recuso. E o faço porque não deveríamos sentir aquilo que  nada significa. Aquilo que não há. Não faz sentido sentir, com tanta força, algo que simplesmente não é. O vazio não deveria ocupar tanto espaço, tomando lugares que eu nem sabia que existiam em mim. O que não existe não deveria causar tanto peso. Tanta dor.

Mas eu o sinto, e eu sei que é você, ainda que tão perto, a anos-luz de mim... Eternamente concreto em palavras direcionadas a alguém que não concebe a sorte que é te ter, vivendo num mundo tão não meu. Entoando melodias que embalam outras noites com sorrisos e conversas que não me dizem respeito, mas agem, uma a uma, como uma antítese eterna e cíclica  ao meu coração e minhas próprias noites. Minhas noites... Todas abatidas, uma a uma, pelas suas luas - seus silenciosos soldados - inocentes e delicados. Pisando em flores invisíveis a eles.

Me resta a resignação. E meu reflexo primeiro é dizer que esta vida é injusta, que as pessoas são idiotas e que o que eu espero do mundo deveria ser pouco diante de tudo o que eu vejo acontecer; de todas essas pessoas realizando seus sonhos tão grandiosos e dourados sem ao menos sentir, sequer por uma vez,  metade da força com que eu te sinto.

Me resta a esperança de fugir desse vazio que você deixou, que apesar de ser parte de você, mancha meu céu e reduz Vênus em gêmeos a nada, me fazendo desistir, sim. Mas do quê? Daquilo que não existe e talvez, apenas talvez, jamais tenha existido.

Ainda que por um dia, meu caro, não lutar contra as ondas de sua ausência seria o melhor sonho. E eu não teria que te ter apenas em textos sem nexo ou canções secretas.

Seria a paz que nunca tive.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Sobre Cores e Formas


Eu já havia visto que por mais que eu tentasse, a luz que eu antes via não estava mais ali. Se a culpa é sua ou minha, não sei. Você tem suas razões - suas próprias cores.

Mas eu posso falar por mim; e aviso que levei anos, meu amigo, construindo quem eu sou. Mas não para me adaptar ao mundo que me cerca. A forma que tomei ao longo dos anos veio apesar dele, passando por cima de quem não se esforça para questionar certas coisas do coração e da vida. Não é fácil... E eu não nego que havia aí dentro de você algo a mais. Uma inocência, uma bondade de quem vem de longe. Algo tão frágil que me encantou tanto, a ponto de crescer e ameaçar todo o universo que te cerca. Eu sempre tive noção das consequências. E honestamente, quem se importou? Nem eu, nem você. E no fim das contas, eu acho que você quer esse silêncio. Eu sei que você precisa extinguir isso tudo, junto com toda a avalanche que seria causada por nós. Mas você me escuta incrédulo como se eu fosse um louco e eu te enxergo genuinamente como um cego. Seguimos assim, ambos presos em cordões que nos puxam em direções diferentes. Para mim é tão óbvio. Por quê?

Eu procuro luzes em olhos alheios, confesso. Quero magia em abraços e feitiços em toques... É como as coisas precisam ser para mim. É uma tirania sobre a qual não tenho controle.
Sempre em vão, com o olhar perdido. Eu disfarço, mas não fujo.
Torto de mais, preso numa redoma que eu mesmo criei para mim. Não nego nada disso. E talvez a culpa seja minha, sim, por jogar a obrigação de aceitar quem eu sou em suas mãos ou em quem quer que seja. Talvez eu devesse medir mais o peso disso, mas não me arrependo. E sei que o que busco está em algum lugar próximo e não demora a vir.

Ainda assim, sejamos honestos: se eu enxergo, mesmo que por um milésimo de segundo, uma ínfima faísca da luz que procuro, eu me agarro com força e faço o possível para que o clarão que busco exploda em cores leves e lindas.

Só não me peça para afogar aquilo que é naturalmente mágico, por menor que seja.
Com isso, meu caro, não sujarei minhas mãos.


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Recortes Mágicos ou Baú de Trecos I


Alemanha.

Na época, devo confessar, eu não sabia o que este nome significava. Mas tenho certeza de que era Alemanha, ou ao menos a área que a circunda.  Naquela casinha, as paredes eram de madeira, definitivamente.  Não sei dizer ao certo, contudo, se se tratava de uma madeira escura ou apenas de qualquer madeira. Lembro da pequena e aconchegante cama feita de palha e panos, no andar de cima. Não chegava a ser um andar propriamente dito: você subia por uma pequena escada de madeira e a cama já estaria ali, ocupando todo o espaço. Havia uma lareira no andar de baixo, que se resumia a uma espécie de cozinha-quarto, ou quarto com direito a uma fornalha e uma fogueira, sempre acesa em resposta à fina neve que caía lá fora. 

Naquela casa haveria, se não me engano, um homem, uma mulher e uma ou duas crianças. Uma família, mesmo. Eu me sentia parte daquele pequeno grupo. A sensação de aconchego e segurança que aquelas paredes me transmitiam dura até hoje, como um sonho que nunca saiu de mim.

A estradinha de terra, que começava quase na porta, era um alento para qualquer um que fosse caçar debaixo daquele céu . Tinha um tom escuro meio claro, num ar saudoso de fim da madrugada. 

E o frio...

quarta-feira, 21 de março de 2012

O Menos Etéreo (ou o 6º sobre aquele tema...)


E aí que hoje - ainda agora mesmo - eu estava lendo o tumblr secreto de um amigo e apesar de já ter lido vários de seus posts, só agora, ao ler a descrição por acidente, percebi que ele diz que criou aquele espaço para falar do amor. Achei fantástico. Me identifiquei, na verdade. Essa coisa de se "assumir" apaixonado pelo amor. As pessoas confessam isso como um crime. As pessoas julgam quem é assim como se isso fosse o pior dos crimes. Como acreditar em lendas idiotas, por exemplo.

Aí como eu, que já estava inclinado a passar por aqui hoje pela mesma razão (aliás, percebam que até eu, que posto apenas uma ou duas vezes por mês, no máximo, me repeti neste mesmo tema - o temido/desejado/mal falado/sonhado/eternamente odiado amor - nos meus últimos o quê, cinco posts?) terminei por ficar inspirado e despenquei pra cá para chorar pela vida. Homenagem ao meu amigo, talvez. Ou só mais uma desculpa pra cuspir tudo isso em algum lugar. Típico.

Pois é. Acho que eu ter vestido rosa no réveillon só serviu para deixar o tema mais presente na minha vida, mas não o objeto do tema em si. E a coisa ficou e tem ficado cada vez tão mais concreta que até este espaço, até então reservado aos meus devaneios variados, sempre tão "misteriosos e circulares", entrou na dança. And I don't really give a damn. Já até escrevi no diário à mão (amo diários à mão) e a coisa não se resolveu. Então foda-se, né? Pé no chão e cara na lama. Sem escrita pseudo-sofisticada, dessa vez.

E o fato é que hoje foi dia de descobrir que quem eu tinha como uma escolha, me tem como opção. Como uma dentre outras opções, na verdade. Algumas até tão bonitas a ponto de eu me machucar. rs E eu nem fiquei arrasado, como no carnaval, em que também chorei por ele. Eu acho que estou começando, só agora, depois de tanto tempo, a ficar dormente para esta falta de qualquer coisa que cisma em (não?) acontecer. E não posso nem reclamar porque, né? Não sou namorado dele. Na verdade eu mal sou um ficante dele... Mas sei lá, cara. Quando você está há mais de um mês falando com uma pessoa, e vocês se falam todo dia mesmo; e ficam falando de sonhos, compartilhando histórias e flertes e piadas... E torcendo um pelo outro, de forma natural, sem estar apaixonado. Apenas... Gostando muito, sentindo um carinho e, vez ou outra, saudade. Sei lá! Eu, particularmente, não sei dar abertura a outro alguém quando me encontro numa história assim.

É como se eu me traísse, ou traísse a primeira pessoa. Mas ele não é obrigado a ser assim. Nunca combinamos nada e nada nunca foi arranjado. Rótulos atrapalham a sociedade, certo? That's what they say. E antes do cristianismo a poligamia era algo extremamente comum e aceitável, ao contrário da nossa sociedade atual, tão ligada à labels e classificações.

E o sentimento de perda? E a impotência diante de outro coração? E o ciume? Será que estes rótulos também vieram com o cristianismo? Ou estiveram sempre por aqui, apertados, crus e guturais, como o amor e o ódio e todos os sentimentos humanos que nos definem? Mas vamos lá, culpemos a sociedade, o capitalismo, o cristianismo, a faixa etária ou o caralho a quatro...

Cada um sente o que sente e a corda tem que estourar para um lado. Vai doer a quem doer e o sangue derramado é responsabilidade apenas daquele que se deixou levar e acreditar.

Todas estas facadas são minhas e de mais ninguém. Quem sai ileso é sábio e mais forte. Está apto.

Sobrevive.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Masquerade


Então eu fui pra perto dos meus amigos, só para estar perto deles e ver se me animava, mas apenas sentei e comecei a chorar num canto, atrás de uma árvore. E tudo que eu tentava me dizer era que estávamos em pleno carnaval. No Rio de Janeiro. Na última noite.

Eu não quero soar como alguém que além de generalizar cegamente, se sente acima de todos, ou melhor que a maioria. Eu quero deixar claro que estou falando de uma forma geral, consciente das exceções e das possibilidades que a vida oferece. Escrevo de um lugar ao qual cheguei após anos de caminhada na direção de um sonho que parece não se realizar nunca. O problema? Eu sonho com um graaaaande amor. Não, eu não quero um namoradinho, nem quero alguém pra me dar uns pegas vez ou outra. Eu quero um grande amor. Desses que abalam nosso mundo, que botam tudo ao avesso, que nos descabelam na rua e nos fazem sorrir por nada e para o nada... ao serem correspondidos. Desses que se encaixam em toda e qualquer música que bate em seus ouvidos. E por que isso é um problema? Porque eu sou gay. E sinto e vejo dificuldade e instabilidade nas relações deste universinho fútil e vazio que é o meio GLS. Todos pregando a pluralidade, todos lutando pela diferença, mas sempre focados em coisas tão fúteis e vazias.

Também não quero soar como alguém que vive em torno disso. Somos todos seres plurais, vivendo em um mundo plural. Temos muitas dimensões e diferentes profundidades e cores em nossas mentes e corações. Algumas coisas nos prendem mais que as outras, tudo em momentos diferentes; e isto aqui é uma pedra em meu sapato já há algum tempo. E tipo, sentar e encarar isso levou muito tempo. Nem é fácil porque, veja bem, sonhos não foram feitos para serem pedras em sapatos. Sonhos foram feitos para serem nosso combustível. E afirmo isso sem cansar. E mesmo que todo dia me digam que o mundo não é um lugar mágico e que a vida não é um conto de fadas, eu ainda me apego ao poder de um às vezes e continuo amando a grandiosidade (e ao mesmo tempo prisão) do quem sabe.

Pois bem. Eu sempre fui esquisitinho. Meus gostos são, 98% das vezes, minoria em todo e qualquer círculo social no qual eu esteja inserido. E isso também se aplica aos gostos, digamos... físicos e/ou interpessoais. Eu não tenho um perfil específico que me atraia. Eu gosto de pessoas diferentes de mim. Amo pessoas apaixonadas e apaixonantes. E gosto de ouvir suas histórias e escutar seus sonhos e rir de seus micos e gafes e piadas. E amo fazê-las rir, também, mas para isso precisamos nos aproximar, darmos abertura para tal. E a gente não encontra isso em lugar algum. E é foda ser minoria no meio de um grupo que, por si só, já é uma minoria. Tá, eu estou longe de ser a pessoa mais aberta do mundo, mas quando eu tinha 18 anos e pisei sem medo no maravilhoso mundo das diversidades sexuais, eu o fiz acreditando em pessoas, não em corpos. E o que se faz quando você é, de certa forma, discriminado (ou ignorado) dentro de seu próprio "gueto"? A resposta me parece ser uma só: ceder à pressão.

Bem, o que quero dizer é que nos últimos dois dias eu, que há uns bons anos tenho orgulho de ser gay, me peguei com vergonha de ser quem eu sou, e desejei que tudo que existe a minha volta não existisse. Tive vergonha de tudo que me atravessa, de tudo que me constrói. Me peguei olhando torto para mim mesmo por sonhar em viver um amor verdadeiro e tranquilo sem me preocupar em ser trocado ou abandonado pelo primeiro saradinho/modernoso que surgir à minha frente. Sem me sentir ameaçado por toda a orda de gays que se matam diariamente na academia para ser uma dessas "ameaças" aos casais. Pior ainda, me envergonhei por ter feito exatamente isso nos últimos meses só para viver esses dias de carnaval sendo alguém mais gostoso, mais agradável aos olhos de todos esses caras que pensam tão diferente de mim. Me envergonhei - simultaneamente, vejam que conflito divertido - por estar ali pensando em um amor que dure para sempre. Me senti hipócrita, porque eu mesmo finalmente cedi à pressão de modificar meu próprio corpo para que isto - esse sonho - se torne algo mais possível e chorei, como nunca chorei na frente de ninguém, por ter falhado. Falhei em quê? Em fazer alguém se apaixonar por mim? Sim. E por não respeitar o momento dos outros, porque eu mesmo já tive o meu momento de sair apenas para beber e beijar pessoas. Chorei por não ter encontrado o amor da minha vida em dois meses e por ter teoricamente levado um perdido no meio da fuça. E a verdade é que dar perdidos e pegar pessoas aleatórias é, afinal, quase uma consequência natural para alguém que passa a vida repreendendo essas coisas. O problema aqui é que, há um bom tempo, tenho a impressão de que as pessoas não saem nunca dessa fase.

E eu fiquei com vergonha de ser parte de um mundo onde, para ter direito a uma boa conversa com alguém, eu precise chamar a atenção dele tirando a camisa, ou exibindo músculos. Sim, você vai me dizer que não é apenas assim, que conhece várias pessoas "feias" ou "estranhas" que encontraram o amor em outras pessoas, sejam estas lindas ou mais ou menos. E eu não nego que sempre curti uma pessoa fora do padrão. O não-óbvio me atrai absurdamente... Mas até mesmo a não-obviedade está até certo ponto impregnada com estes malditos valores. E por mais que meus amigos vivam jogando na minha cara que meu gosto é estranho (e eu até certo ponto sinta orgulho de mim mesmo por isso - como se eu quebrasse os padrões), o meu ponto é que estas pessoas, estes casais, são exceções. No final do dia todo mundo está sozinho (mesmo os ditos gatões) e todos ficam sozinhos e se pegando de forma aleatória e desordenada. E o que eu vejo em boates se repete em interfaces virtuais, sites de relacionamento e aplicativos... Todos os meios sociais teoricamente propícios para eu encontrar um companheiro vão de encontro a este meu desejo. E eu sempre repudiei isto. Principalmente hoje, quando eu olhei para mim mesmo e encontrei tais valores em mim. Me dei conta de que tenho me tornado mais um deles em vez de ressaltar quem eu realmente sou - ou sempre fui até aqui. Essa coisa de querer estar no topo dacadeia alimentar. Se eu realmente estivesse feliz comigo mesmo hoje, como eu estava lá, aos 18 anos, entrando pela primeira vez em uma boate, nada disso estaria ocorrendo.

Me dei conta de que considerei desistir do meu curso de francês (e caralho, como eu amo estudar meu francês!) para ter tempo para uma academia. Simplesmente porque saber francês infelizmente não vai fazer ninguém me notar. E é aí que a vergonha volta com o pé na porta e me pergunta porque você quer ser notado? - mas eu já sou notado. Notado por ficar quieto, notado por fazer isso, por vestir aquilo outro ou deixar de fazer sei lá o quê. E em termos de ser notado, o máximo que atinjo é o meu eterno - e putaqueopariu, que eterno - posto de amigo fofo. E meu amigo, deixa eu te falar uma coisa que é o X da questão: ser fofo, neste mundo, é tão útil quanto ser uma almofada. Ainda mais se alguém sexy está ao seu lado. E aí concluímos que o que eu quero nesse pseudo-pero-no-mucho-pseudo-drama é ser desejado. Ué, e não vale a pena ser quem você é e estar feliz com isso e atrair as pessoas através de seu verdadeiro eu? A resposta é não. Pelo menos não quando você é gay. Não quando você é gay - e fofo - numa cidade solar e sarada como o Rio de Janeiro. Os standards são extremamente altos e por mais que você lute, você reproduz esta... coisa; e se pega também não considerando, não dando abertura para quem não está naquele padrão maravilhosamente agradável e simétrico que é um homem minimamente "sarado". E se o faz é simplesmente por um casinho rápido, uma ficadinha de nada, só para não sair no zero a zero.

E aí você, que sempre saía à noite na esperança de encontrar alguém legal, se pega preso num círculo vicioso ridículo de achar que sempre pode conseguir algo melhor. É ou não é para ficar com vergonha? O certo seria gostar das pessoas por tudo que elas são. Seria viver bem com meu corpo e não depender de músculos para conseguir certa aceitação num meio que já não é muito bem aceito em nossa sociedade. E isso pode acontecer. Isso - essa abertura ao que está dentro - acontece, de fato. Acontece, sim, mas primeiro olhamos para a casca e gente, no "mundo gay" a intensidade disso é elevada exponencialmente e só agora, infelizmente, eu aceitei isso. Existem lugares em que você literalmente não existe se não tirar sua camisa e mostrar seu corpo esculpido. Isso é patético. E eu sinto vergonha de estar há mais de um mês sofrendo numa academia para poder ser notado e conseguir minimamente - e eu digo minimamente porque eu não pretendo tirar a camisa em locais que não sejam uma praia ou uma piscina rs - aumentar minhas chances de chamar atenção de quem? De outras pessoas também assim.

É confuso.

E no final do dia, além de voltarmos para a premissa básica da humanidade (que para mim é: músicas tristes sempre serão as melhores) a questão persiste: ser ou não ser?