sexta-feira, 13 de junho de 2014

Friday the 13th



Eu estou aqui na praça de alimentação do meu bom e velho shopping te esperando com o celular na mão e a cara de quem esconde algo que pode ser tanto um beijo quanto a pior notícia do mundo. Tem um casal ali que, fosse isso aqui um livro, seria o foreshadowing desse nosso capítulo. Ele está focado na comida, falando algo por alto. Julgando pelas aparências, ele poderia estar falando de qualquer coisa chata da vida. Talvez sobre os tipos de parafusos utilizados em construções marítimas, talvez sobre a reprodução das abelhas. Pouco importa para ela. Seus olhos estão sorrindo o tempo todo, e ela não tem noção do quão não relevante seus olhos parecem ser para ele. Minha vontade é de levantar e mandar ela acordar. Gritar que isso que ela está vivendo é uma ilusão vazia e que alguém tem que ser muito imbecil para acreditar em algo do tipo. Eu quero fazer isso. Eu, de todas as pessoas. Chega a ser ridículo. Até as pilastras devem notar: Rique, o estranho, espiando estranhos no shopping e julgando atitudes relacionadas ao coração, quando na verdade... 

Bom, tiro o foco deles para confessar que vim mais arrumado que de costume porque entendo o tom solene de nosso encontro. E trago más notícias.

Me encontro agora entre as tais pilastras desse shopping. Estruturas que me viram passear com meus pais quando eu era pequeno e me contentava em criar histórias fantásticas sobre os magos de gesso da lojinha do primeiro piso. Essas paredes aqui me viram comprar inúmeras promoções do McDonald’s por R$4,95 e curtir minhas tardes de cinema sozinho depois da escola. Homens não existiam para mim lá trás, essas vitrines sabem. E essas mesmas pilastras e paredes viram eu me encontrar com um grande amigo meu para dizer que não estava afim da garota dele porque na verdade eu era gay, e atrás dessas mesmas pilastras eu me escondia com a galera descolada que se autoafirmava pro mundo como eu. E daqui eu já espiei tantos fantasmas da minha vida que você ficaria chocado. Pena que hoje o espiado sou eu.

Essas paredes estão esperando você chegar também. Me olham como juízes num tribunal cruel do qual todos sabem a sentença. E esse frio na barriga não vai passar; e eu vou ficar vermelho de vergonha quando as pessoas ao redor olharem para nossa mesa por conta da sua mão direita e seus passos furiosos.

Hoje essas paredes e essas pessoas vão ver você me deixar pra trás depois de dar um murro na mesa e sair cuspindo fogo e derramando lágrimas. Você vai se levantar e andar sem saber que onde você vê deboche há na verdade caos. Um verdadeiro desastre disfarçado de homem. Tenho aqui atrás desses olhos secos um universo inteiro secretamente em colapso, chocando planetas e oceanos uns contra os outros. E rostos e trovões... Tudo isso atrás de um sorriso sem graça. É que eu rio quando estou nervoso.

Eu quero que você saiba que esse meu silêncio não é apenas pavor de lidar com conflitos. Meu silêncio até agora, o fato de eu não ter te deixado... Tudo isso é a forma que encontrei de tentar te amar. De não te perder, apesar de tudo que eu realmente sinto. Apesar do monstro que tenho tentado domar há mais de um ano. E quero que você entenda que a impotência diante dos seus passos é maior que a gente e nossos sonhos adolescentes. E que ser adulto é isso. Nossa imobilidade diante desse quadro borrado é muito maior que nossos corações ou as árvores de seu país. Somos ínfimos diante disso tudo. Nomes que somem em um clique. Não há murro em mesa ou ponta de faca que controle meu coração, lindo. Nem mesmo essas lagrimas de uma terra tão distante que abriga florestas e vulcões, diante do pacífico. Eu sempre quis explorar o pacífico. E provar parte das águas dele na sua pele foi um sonho, sim. E como todo sonho que se preza, as ondas desse aqui acabaram de me trazer às areias da minha realidade. Eu me conheço. Posso sangrar e esgotar minhas lagrimas, posso ser um monstro nojento ou apenas um babaca – fair enough. Mas enquanto estiver seguindo meu coração, sei que estou no caminho certo. Instinto ou burrice? Um dia descubro.

Quero que saiba que alguém como você, rapaz, a gente só encontra umas duas vezes na vida. E por isso você merece mais que eu. Você não está aqui para ser a minha tentativa de esquece-lo. É tão simples que dói. É um corte, mesmo. Desses silenciosos que doem e sangram vários segundos depois de provar nossa carne. E é estranho pensar que o mundo gira normalmente agora, por mais que todos nós estejamos absolutamente quebrados e esgotados. Você entrando em erupções por mim, eu domando mares por ele; e ele completamente alheio a mim. A nós dois. Ou nós três. Essa vida é muito escrota. Dia desses li um livro fantástico que falava sobre isso. E até agora – especialmente agora - não sei se me sinto inspirado ou humilhado pela grandiosidade do universo e sua a notável capacidade de carry on independentemente da gente. Pois que o universo continue a nos ignorar. Os erros persistem, com ou sem a atenção dele. E os corações seguem partidos.

Típico de mim, sempre tão doce e estranhamente sedutor, estraçalhar corações assim. Síndrome de quem já foi patinho feio. Venham, tolos apaixonados. Tentem se salvar em minha falsa pose e depois lidem com o veneno e as cicatrizes. Eu vou tentar me salvar também. Somos todos egoístas no fim do dia, querendo apenas fugir desse grande naufrágio que é acreditar que precisamos ter alguém. Eu estou olhando para essas pilastras, aceitando essa nova ferida com falsa dignidade.

Elas me encaram com a indiferença de quem não tem nada a ver com isso, mas me espiam para terem certeza de que estou pensando o que estou pensando. E eu penso que, apesar das suas lagrimas cortantes e das mãos pesadas que não vou mais sentir em minhas costas, o gosto amargo de nosso ponto final não está no fato de estarmos numa sexta-feira 13, ou na lua cheia que vai despontar no céu em três horas.

Essas pilastras sabem tanto quanto eu que essa vida é escrota pra caralho; e que de todos os dias do ano que tínhamos para deixarmos nosso sonho, escolhemos o aniversário dele, o motivo supremo de eu ter tentado até aqui.

E a razão primeira de eu não te querer.


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