Eu estou aqui na praça de
alimentação do meu bom e velho shopping te esperando com o celular na mão e a
cara de quem esconde algo que pode ser tanto um beijo quanto a pior notícia do
mundo. Tem um casal ali que, fosse isso aqui um livro, seria o foreshadowing
desse nosso capítulo. Ele está focado na comida, falando algo por alto.
Julgando pelas aparências, ele poderia estar falando de qualquer coisa chata da
vida. Talvez sobre os tipos de parafusos utilizados em construções marítimas, talvez sobre a reprodução das abelhas. Pouco importa para ela. Seus olhos estão sorrindo o
tempo todo, e ela não tem noção do quão não relevante seus olhos parecem ser para ele. Minha vontade é de levantar e mandar ela acordar. Gritar que isso que ela está vivendo é uma ilusão vazia e que alguém tem que ser muito imbecil para acreditar em algo do tipo. Eu quero fazer isso. Eu, de todas as pessoas. Chega a ser ridículo. Até as pilastras devem notar: Rique, o estranho, espiando estranhos no shopping e julgando atitudes relacionadas ao coração, quando na verdade...
Bom, tiro o foco deles para confessar que vim mais arrumado que de costume porque entendo o tom solene de nosso encontro. E trago más notícias.
Bom, tiro o foco deles para confessar que vim mais arrumado que de costume porque entendo o tom solene de nosso encontro. E trago más notícias.
Me encontro agora entre as tais pilastras desse shopping. Estruturas que me viram passear com meus pais quando eu era pequeno e me
contentava em criar histórias fantásticas sobre os magos de gesso da lojinha do
primeiro piso. Essas paredes aqui me viram comprar inúmeras promoções do
McDonald’s por R$4,95 e curtir minhas tardes de cinema sozinho depois da
escola. Homens não existiam para mim lá trás, essas vitrines sabem. E essas
mesmas pilastras e paredes viram eu me encontrar com um grande amigo meu para dizer
que não estava afim da garota dele porque na verdade eu era gay, e atrás dessas
mesmas pilastras eu me escondia com a galera descolada que se autoafirmava pro
mundo como eu. E daqui eu já espiei tantos fantasmas da minha vida que você
ficaria chocado. Pena que hoje o espiado sou eu.
Essas paredes estão esperando
você chegar também. Me olham como juízes num tribunal cruel do qual todos sabem
a sentença. E esse frio na barriga não vai passar; e eu vou ficar vermelho de
vergonha quando as pessoas ao redor olharem para nossa mesa por conta da sua
mão direita e seus passos furiosos.
Hoje essas paredes e essas
pessoas vão ver você me deixar pra trás depois de dar um murro na mesa e sair
cuspindo fogo e derramando lágrimas. Você vai se levantar e andar sem saber que
onde você vê deboche há na verdade caos. Um verdadeiro desastre disfarçado de
homem. Tenho aqui atrás desses olhos secos um universo inteiro secretamente em
colapso, chocando planetas e oceanos uns contra os outros. E rostos e trovões...
Tudo isso atrás de um sorriso sem graça. É
que eu rio quando estou nervoso.
Eu quero que você saiba que esse
meu silêncio não é apenas pavor de lidar com conflitos. Meu silêncio até agora,
o fato de eu não ter te deixado... Tudo isso é a forma que encontrei de tentar
te amar. De não te perder, apesar de tudo que eu realmente sinto. Apesar do
monstro que tenho tentado domar há mais de um ano. E quero que você entenda que
a impotência diante dos seus passos é maior que a gente e nossos sonhos
adolescentes. E que ser adulto é isso. Nossa imobilidade diante desse quadro
borrado é muito maior que nossos corações ou as árvores de seu país. Somos
ínfimos diante disso tudo. Nomes que somem em um clique. Não há murro em mesa ou
ponta de faca que controle meu coração, lindo. Nem mesmo essas lagrimas de uma
terra tão distante que abriga florestas e vulcões, diante do pacífico. Eu sempre quis explorar o pacífico. E
provar parte das águas dele na sua pele foi um sonho, sim. E como todo sonho
que se preza, as ondas desse aqui acabaram de me trazer às areias da minha
realidade. Eu me conheço. Posso sangrar e esgotar minhas lagrimas, posso ser um
monstro nojento ou apenas um babaca – fair
enough. Mas enquanto estiver seguindo meu coração, sei que estou no caminho
certo. Instinto ou burrice? Um dia descubro.
Quero que saiba que alguém como
você, rapaz, a gente só encontra umas duas vezes na vida. E por isso você
merece mais que eu. Você não está aqui para ser a minha tentativa de esquece-lo.
É tão simples que dói. É um corte, mesmo. Desses silenciosos que doem e sangram
vários segundos depois de provar nossa carne. E é estranho pensar que o mundo
gira normalmente agora, por mais que todos nós estejamos absolutamente
quebrados e esgotados. Você entrando em erupções por mim, eu domando mares por
ele; e ele completamente alheio a mim. A nós dois. Ou nós três. Essa vida é
muito escrota. Dia desses li um livro fantástico que falava sobre isso. E até
agora – especialmente agora - não sei se me sinto inspirado ou humilhado pela
grandiosidade do universo e sua a notável capacidade de carry on independentemente da gente. Pois que o universo continue a nos ignorar. Os erros persistem, com ou sem a atenção dele. E os corações seguem partidos.
Típico de mim, sempre tão doce e
estranhamente sedutor, estraçalhar corações assim. Síndrome de quem já foi
patinho feio. Venham, tolos apaixonados.
Tentem se salvar em minha falsa pose e depois lidem com o veneno e as
cicatrizes. Eu vou tentar me salvar
também. Somos todos egoístas no fim do dia, querendo apenas fugir desse
grande naufrágio que é acreditar que precisamos ter alguém. Eu estou olhando para essas
pilastras, aceitando essa nova ferida com falsa dignidade.
Elas me encaram com a indiferença
de quem não tem nada a ver com isso, mas me espiam para terem certeza de que
estou pensando o que estou pensando. E eu penso que, apesar das suas lagrimas
cortantes e das mãos pesadas que não vou mais sentir em minhas costas, o gosto
amargo de nosso ponto final não está no fato de estarmos numa sexta-feira 13,
ou na lua cheia que vai despontar no céu em três horas.
Essas pilastras sabem tanto quanto
eu que essa vida é escrota pra caralho; e que de todos os dias do ano que tínhamos
para deixarmos nosso sonho, escolhemos o aniversário dele, o motivo supremo
de eu ter tentado até aqui.
E a razão primeira de eu não te
querer.
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