Não há nada mais invisivelmente
poderoso para acabar com as cartas de uma noite de sábado que uma febre. Sim,
isso foi uma referência ao tarô. Eu sou
esse cara. Bem, de acordo com o Priberam, a febre é um estado patológico
caracterizado pelo aumento da temperatura no sangue, aceleração do pulso e
inapetência. Ou um desejo ardente. Ou uma grande agitação. E eu fico com as
três definições por hora, e vou mais além. Tipo, febre é algo horrível. Sério, isso
é claramente subestimado, se pararmos para pensar que é o hipotálamo que
controla a temperatura do nosso corpo, sempre abaixo dos trinta e sete graus
celsius. Como um treco dentro de mim controla a temperatura de meus órgãos?
Sempre vou achar isso mega esquisito. A gente não pensa muito isso, na verdade.
E eu estava agora jogado na minha cama, alternando meu sono entre o peso do meu
corpo e os vikings lutando na TV. Vish.
Um verdadeiro exército em ebulição, que nem meu sangue. Há dias em que me sinto
um guerreiro por ter vivenciado certas coisas – ser gay, ser músico, ser
professor e todo o bla bla blá que não é bla bla blá; e às vezes tenho dias
assim, em que eu sou basicamente uma amoeba mesmo. Roxa e gosmenta. Não me joguem na parede. Em suma, um fiasco.
Há pouco mais de um ano decidi
começar a malhar e dar um gás numa revolução sexual definitiva que vai dos
confins de meu guarda-roupa ao último fio da minha barba por fazer, e tudo tem
ido bem. Aprendi a aceitar os pesos que levanto diariamente, a tapioca no lugar
do pão. As frutas. O doloroso adeus ao kit-kat e ao twix, fiéis escudeiros de
milhares de horas de mais de onze séries. Aprendi a me alimentar dos elogios
que ouço aqui e ali. Das mãos cada vez mais requisitadas sentindo os resultados
que nem chegaram. Nunca vivi isso, cara. Me faz tão bem. Mas daí hoje eu estou
vergonhosamente patético, aqui nesse momento. Caladinho, indefeso e tomando chá
numa taça pseudo-medieval-celta-hobbit-evoquing-RPG-sucker-kind-of-shit.
A pior parte é que eu sei que isso é tão
a minha cara. Eu sou tão brega, meu
deus. Ou pelo menos posso ser. E nem tenho muita vergonha disso. Às vezes é um
charme a mais, e às vezes eu tenho a impressão que não interessa o número de
placas que eu consiga puxar na academia ou os cortes de cabelos que eu invente,
no fim do dia eu ainda vou voltar pro meu quarto cheio de gnomos, nessa onda teen-wicca-nerd-gótica-que acha-que-se-morar-na-Irlanda-vai-viver-uma-coisa-parecida-com-Zelda-ou-Tolkien-ou-Game-of-bloody-Thrones-e-não-saca-que-vikings-e-celtas-não-se-davam-bem.
E eu toco viela de fuckin’ roda.
Aliás, semana passada estava tocando e decidi ir direto pra night encontrar
meus amigos. Com um violino nas costas. Você pensaria que isso seria algo épico
e sensual. BIG NO NO. Nunca me senti
tão macaquinho de circo, ou violinista de churrascaria (nada muito contra o
cargo, apenas não é para mim). Até o DJ se ofereceu para tomar conta do meu
violino. Pelo menos ele era gato.
E galera, eu ainda por cima fiz
letras! E hoje estou aqui ~dibowie~ ouvindo Forfun. E pensando em como vou
conseguir me segurar estando perto do amor de minha vida da minha crush mais
tarde. Aquele para quem me declarei há exatamente um ano, aquele para quem compus duas músicas em 30 segundos, e cujo o texto de aniversário me rendeu uma noite onírica em beijos e um ano de melancolia e confusão,
partindo corações que se propuseram a me dar o que ele não pode ou quer me dar. Eu fiz um tumblr para ele, postando uma música que gostaria de cantar para ele por dia. Por um mês. Ele nunca nem ouviu a primeira palavra da primeira música. Sou um partidão, mesmo. Estou indo para a festa desse cara. Corram e me add. OK,
parei. Voltemos aos meus heróis.
Eu vejo esses vikings saindo da
Noruega num barquinho - uma porra de um barquinho charmoso, com uma serpente ou
dragão ou sei lá o quê - achando que não havia terras ao oeste, desbravando o
Mar do Norte e chegando às Ilhas Britânicas como se estivessem chegando em
outra dimensão. Olha, eu preciso dizer que se você não desbravou o mar quando o
mundo não era o mundo ou não desvendou e explorou um novo planeta habitado,
você não é tão épico. Sim, sou meio chato em relação às coisas às quais atribuo
esse adjetivo. Eu queria tanto essa adrenalina da descoberta. Eu sei que
adrenalina vicia; sei disso porque de bicho do mato/múmia nos palcos me
transformei em alguém que sente falta do frio na barriga pré-gig, tocando seja para três bêbados ou cinquenta mil pessoas num estádio. E eu queria tanto esse frio na barriga maior. É
como se eu vivesse num jogo que já foi zerado, entende? E eu nem vi nada desse
mundo. Nem 0,00000000000001% dele.
Não quero diminuir o nobre ato de
viajar hoje em dia, e os deuses (#brega alert #wicca alert #nerd alert
#folkmetal alert) sabem que me senti meio assim na primeira vez em que saí do
Brasil e terminei pisando em Dublin. O que me parte o coração é que eu cheguei
lá em 14 horas, sabendo o que me esperava. E com pavor (PAVOR) de avião. Não
havia guerreiros para eu defender com espadas, nem o risco de não haver terra.
Eu não achava que uma serpente gigante dos deuses bons engoliria meu avião e eu
perderia meu lugar no céu, enchendo a cara com deuses e guerreiros épicos. O que eu estou
tentando dizer é que eu já sei de quase tudo que eu posso ver em algumas horas,
se eu tiver dinheiro suficiente. E o último cara com quem eu tive um lance veio
do Equador. E uma das minhas melhores amigas é irlandesa e um senhor que vira e
mexe pega a barca do centro comigo é holandês. E meu irmão está indo pra
Croácia dentro de alguns dias. É um sentimento quase claustrofóbico, estar
preso dentro de uma atmosfera tão limitada, tão pequena. Eu sinto isso
aumentando diariamente. Vivemos numa redoma, na verdade. Eu quero ter medo de
algo autenticamente desconhecido. Algo sobre o qual eu nunca li.
Eu bem sei que na época desses
caras eu já seria um ancião para vivenciar uma aventura dessas. Aos doze anos
você já podia ficar bêbado e ver todo mundo fazendo sexo em suas cabanas. Era
uma época bem horrível, honestamente. Mas eu não resisto e saio de 475 A.D.
para o ano 4.014 me perguntando se há algum carinha jogado em algum quarto pensando em como deveria ser a vida de um músico gay no Rio de Janeiro de 2014.
Eles levavam tantos minutos até o centro
da cidade, ele pensaria. Olha essas
camisas xadrez, que engraçadas. E
eles se banhavam nessas águas, talvez riam. Fios e cabos por todas as partes! E as pessoas fariam festas
temáticas se fantasiando com base na nossa concepção de extraterrestres e em
pessoas como eu, e talvez alguns desses meus escritos acabassem num museu ou
numa universidade. Vai saber.
No fim do dia, o que mais me
derruba não é nem a febre.
É o tempo, mesmo. E nossa
capacidade de ainda tentar lutar contra ele.
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