Suavemente meus olhos se abriram. Havia luz. Uma suave luz que envolvia discretos pontos luminosos espalhados por todos os lados. Na gentil presença da manhã eu tinha chegado ao mundo; e nascera de uma singela gota de orvalho, solitária e tímida, levemente acomodada em uma pomposa pétala de rosa. Lembro-me de ouvir, comandada com maestria pelos pequeninos alados, uma sinfonia circular e crescente composta de fina chuva e canto de pássaros. Lembro de pequenos rostos sorridentes me reconhecendo, e lembro de olhar com curiosa felicidade aqueles que saudosamente ali me recebiam. Sem saber onde me encontrava, não temi, e gentilmente suas gravíssimas vozes se fizeram ouvir, vindas do âmago da Grande Matriarca. Lembro-me muito bem do tremor das terras ao som daquelas vozes maternas. Suas palavras não eram ditas – não haveria como - e mesmo assim se faziam presentes e ecoavam como verdadeiros cataclismos nas antigas planícies daquele mundo há muito esquecido. Eu, tão simples e fechado, havia nascido no mais belo bosque construído pelos Deuses.
Lembro-me de ouvir que as chuvas viriam para lavar as almas recém-chegadas, e que os trovões manteriam longe todos os perigos que assolassem nossas terras. Me foi dito também que minha força viria do Sol, ao passo que meus sutis saberes viriam da Lua; e lembro-me muito bem do respeito que sentia naturalmente pelas vozes daqueles que me acolhiam, vozes que permeavam tudo. Vozes que ecoavam por cada canto daquele sagrado bosque. Lembro de saber que ali sim, de fato, eu estava entre os meus.
Havia prenúncio de sonhos naquelas terras verdes. Muitos sonhos. Alguns a serem plantados, outros a serem colhidos. Segundo as vozes, de vez em quando eu me acomodaria nos braços das imponentes raízes para observar os pequeninos em suas distrações, para abençoar inocentes juras de amor às sombras das anciãs ou simplesmente, como a grande maioria costumava fazer, para sentir as energias titânicas que pulsam no longínquo interior da terra. Da mesma forma foi-me dito que nas noites de Lua cheia todos nós festejaríamos em círculos, e que enquanto fôssemos puros o verão perduraria sem fim, como um sonho eterno.
Haveria perigos também, alertaram-me as vozes. Aquelas vastas terras que me esperavam em minha longa jornada me trariam armadilhas, dores e medos. Contudo, lembro-me de ouvir que o amor verdadeiro era imortal como minha essência, e que um sorriso seria sempre a melhor ferramenta nas horas difíceis.
Lembro-me de ser avisado de que caberia a mim despertar a vida e a beleza inerentes a cada folha, a cada flor e a cada fruto, e que meus olhos naturalmente me trairiam caso eu tentasse dissipar a verdade com falsas palavras.
Finalmente, fui lembrado de que os homens há muito haviam se perdido por entre seus próprios poderes, e que eu jamais deveria perder de vista as estrelas, pois elas, como meus irmãos e irmãs, também seriam minhas confidentes ao longo de minha jornada.
Levantei tímido, buscando força para utilizar minhas tão singelas asas, naquele primeiro momento tão fracas, rumo ao raio de Sol que entrara por entre os tetos verdes daquele sagrado palácio de folhas. Ajoelhei-me diante da mais antiga árvore daquele bosque, jurando viver cada segundo em nome do bem daqueles que ali habitavam.
Mais um ciclo se iniciara em minha existência. Eu podia sentir que vivia através daquele poder. O poder daquelas vozes, daqueles trovões. Um poder que vinha das escuras profundezas quentes, subindo por entre as terras, em espiral, trazendo à tona a verdade das verdades. Jamais subestimei a sabedoria daquelas antigas árvores que por eternidades me receberam em diferentes existências. E até hoje cuido de tudo aquilo que vive sobre as gigantescas raízes de minhas bondosas mães.
5 comentários:
Um sorriso pra você.
Ao contrário do que a maioria acha, que coisa bela você poder reconhecer seu verdadeiro potencial... Respeitar aquilo que você realmente é e o que você realmente pode fazer...
Você cuidou de mim, abeigo. Me guiou e iluminou meu próprio destino (e por isso, porque se eu fosse falar das outras coisas não acabava nunca, lhe agradeço). Esse texto é altamente autobiográfico, e essencialmente seu (poético). Já lhe disse que você delimitou todo um conjunto lexical somente seu. ADORO. Agora vê se começa a enxergar direito essas coisas...
Ps. É arrogância acreditar que o "meu" perdido tá relacionado com o "perdido" do seu texto?
Blogs são a tendência nessas férias...
Sabia que o elo perdido não existe? rs
Seu texto está lindo. É essa energia que existe e de que você tanto lembra que ainda me faz prosseguir...
Agora... seu mundo particular é incrivel mesmo.
Sorte de quem pode ler e conhecer um pouquinho.
Parabéns.
Beijo
Francisco
engracado como vc escreve...Faz parecer tão fácil criar um mundo não novo mas imaginário,transportando as vezes a realidade para dentro dele,como nesse texto.O Fábio me mostrou uma vez um texto seu q parecia mesmo uma outra realidade ou mundo distante e antigo,(rsrsrs),acho mesmo é que se um dia eu conhecer vc eu vou procurar embaixo dos seus cabelos uma orelhinha de "elfo" ou umas "Asinhas" em suas costas...
Um abraço
feliz dia dos amigos! seu amigo inconsequente/1
Gostei muito deste texto, apesar de longo, valeu muito a pena lê-lo. Concordo com o sujeito que postou um comentário abaixo dizendo que sua capacidade de criar "outros mundos" é notável! Enjoy in words!
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