Esta é a melhor hora para se fazer esse tipo de coisa. O sol vai deixando meio planeta parado durante a noite para tocar para frente o tempo do outro lado do mundo. Essa é a hora mágica que escolhi para viajar no tempo. Meio nada a ver, mas que seja. Venta o suficiente para bagunçar todo meu mais novo corte - SO gay. Well, tell me the news - e eu sigo com um frio na barriga que congela até meu rosto. Com as poucas estrelas que surgem tímidas, o vento traz gotas de cheiros aparentemente velhos. Em cada golpe de ar inúmeras gotas; em cada gota inúmeros anos que chegam a mim em forma de faces, sorrisos e canções. Ái, as canções! Uma atrás da outra literalmente me esfaqueando - I'm falling apart, I'm barely breathing... - eu sigo de cabeça erguida.
Caminho e finjo não ver as pedras que estão naquela praia desde antes de eu nascer. Finjo ignorar as pessoas que sempre estiveram sentadas nos mesmos lugares e os barquinhos que sempre enfeitaram a mesma paisagem. São olhares tristes que não me viram crescer, embora eu sempre os tenha visto. Todos sempre estiveram lá desde que me conheço por gente. São figuras que não têm a menor idéia de que cresci guardando seus rostos, seus lugares e seus olhos melancólicos. Passo por tais ícones segurando 10 anos de lembranças em poucas lágrimas que não caem. Tudo me lembra tudo - Life has a funny, funny way... - em um encadeamento de lembranças que mais parece uma avalanche.
É uma espécie de castigo me sentir tão preso a essa ilha. Ainda mais quando quem realmente importa não mais se encontra aqui, seja em corpo ou seja em mente. Existem algumas pessoas que até sabem que são estrelas no seu céu, mas estas, na minha vida, sempre fazem questão de se dissipar. Nenhuma sente essa saudade. Nenhuma evita esse caminho para não ser arrastada para o passado. Pior ainda: nenhuma enfrenta esse caminho para ser arrastada para o passado. Para mim esse caminho não passa de uma ferida que, apesar de sangrar apenas quando eu mexo nela, não está fechada. Ferida só minha. Ferida sozinha.
Obviamente nem tudo em um caminho como este é fácil de encarar. Sei que a antiga casa de um grande - meu melhor - amigo fica ali naquela ladeira, perto da nossa (ex) escola - And I wanna believe you, but I don't... - e trato de passar direto pela esquina que poderia me levar até lá. A coragem não é tanta assim. Me contento em lembrar de cartas de baralho, almoços e tardes de educação física. Tardes que culminavam em preguiçosas horas na casa dele. Até sorrio.
No fundo eu gosto de sentir cada cheiro e olhar em cada um dos olhos que não se lembram de mim com esta mesma dor. Talvez seja uma benção esquecer das coisas... Ou simplesmente contemplá-las sem sentí-las. Comigo é tudo sempre diferente. Quanto mais o tempo passa, mais fortes as lembranças voltam. Então eu me deparo com tias que hoje são senhoras sem rosto e professoras de ciências que em plena sexta série me defendiam de futuros trogloditas – Lê-se crianças heterossexualmente escrotas - e hoje caminham como eu, só que pensando no presente (era ela sim, eu vi!). É uma auto-tortura esse trajeto, eu sei. Talvez se eu o fizesse acompanhado de alguém e sem esse ipod torturador ele não me doesse tanto - the space between é uma escolha simplesmente escrota. Show me some respect, shuffle uó!
Bem, no final das contas, essa dor aqui, de saudade, eu faço questão de manter. Vou abrir essa ferida todas as vezes em que o presente me arrancar lágrimas. Chorar de saudade é sempre melhor do que chorar de tristeza; e cada vez que eu chorar por tudo que vivi com vocês, cada vez que cada curva e cada árvore e cada portão me abater por causa de vocês, lembranças, vocês se tornarão eternas e reais em qualquer lugar, a qualquer momento; e vão ficar marcadas em ventos futuros que vão me envolver e me arrastar tempo afora todas as vezes em que eu sair para caminhar. Quer vocês queiram ou não.
- I got all the time for you, love...