quinta-feira, 24 de julho de 2008

Onírico I


Eu estava em um beco escuro. Exatamente, simples assim. Em um beco escuro. Acabara de correr de alguns meninos que haviam tentado nos assaltar por três vezes seguidas, numa repetição de uma mesma cena que muito me inquietara. Eu havia corrido dali sem saber para onde ir, me separando de meu amigo, do qual já não sabia mais nada àquela altura. Naquela fuga sem pé nem cabeça acabei me deparando com o escuro beco, no qual me escondi.

Parado ali eu tentava compreender o que estava se passando. Tudo estava muito estranho e aquele ambiente não me inspirava muita confiança, apesar de também não instigar em mim o medo que sempre sinto diante do desconhecido.

Reparei que ao final do beco havia uma porta por onde escapava uma luz que me parecia muito forte. Aproximava-me sem pensar duas vezes quando a porta foi aberta, me surpreendendo. Como se tivesse ouvido meus decididos passos, um simpático de senhor de cabelos brancos e olhos azuis abrira a tal porta:

- Henrique! Bom te ver! Entre, entre!

Ao passar pela porta deparei-me com o que parecia ser uma espécie de cozinha. Não que de fato o fosse, pois não vi alimentos ou panelas ou qualquer coisa do gênero. A associação que faço entre o estranho lugar e o universo “cozinha” tem origem no simples fato de o lugar ser iluminado com uma luz branca muito forte e possuir uma série de mesas e balcões de metal.

Entrei tímido, pois reparei que minha presença chamava atenção. Todos os que lá estavam era senhores e senhoras de idade avançada. Não sei se de fato viviam naquele lugar, que a essa altura já me remetia a um ambiente hospitalar – novamente, associação por conta da iluminação, das cores etc. – O fato é que além de todos aparentarem uma idade avançada, todos vestiam roupas brancas. Passavam por mim sorrisos simpaticíssimos, acolhedores. Sorriam em cada gesto, aqueles que lá estavam. Todos os olhos azuis fitavam-me num misto de alegria e curiosidade. Todos pareciam me conhecer, fazendo com que eu me sentisse muito bem recebido, apesar de extremamente confuso. Desta forma fui conduzido a uma ampla varanda, em outro andar, acredito.

Ao adentrar novo ambiente percebi diversas mesas brancas, quase iluminadas. Possuíam detalhes dourados muito bem esculpidos, que culminavam numa ornamentação estupenda, a meu ver. O ambiente agradável daquela varanda, aliado à cor branca das mesas, gerava um contraste interessante com o céu que, até hoje, é o mais negro que eu já vi. Não vi lua, nem vi estrelas naquele céu. Tampouco ventava naquela varanda, algo que agora, ao lembrar-me deste episódio, muito me intriga.

Sentado a uma das mesas, me foi dito que deveria aguardar ali, o que fiz sem que estivesse nervoso ou aflito, até perceber três senhoras que se dirigiam à mesa. As três possuíam longos cabelos brancos. Contudo, me recordo com certa riqueza de detalhes apenas de uma delas, que possuía longos cabelos acinzentados e um pouco encaracolados. Lembro-me vagamente de reparar em alguns colares pendurados em seu pescoço. Tal senhora, diante de mim, indagou simpaticamente:

- Então, Henrique. Como se sente desencarnado?

Parado, em choque, percebi o que se passava. Num ato súbito e impensado, não me contive:

- Mas não estou morto! Não estou desencarnado coisa nenhuma!

As três senhoras agora aparentavam uma verdadeira indignação, e reclamavam, nitidamente alteradas. Não sei ao certo se discutiam entre si ou se me repreendiam. Eu sentia como se houvesse as ofendido profundamente, pois minha resposta impensada instalara um verdadeiro rebuliço na harmoniosa varanda.

Enquanto tentava me desculpar, ou acalmá-las de alguma forma, fui surpreendido por um vento muito forte, que golpeou a varanda, me carregando dali sabe Deus para onde.

Despertei em minha cama num pulo. O frio na barriga revirou-me o estômago.