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retirou-se, pálido, rumo ao deserto.
Tinha a certeza da veracidade do estranho sentimento, pois sentia algo maior por vir. Ouvia a grandiosidade do poder de sonhar, sentindo assim, antecipadamente, saudade das águas obedientes à lua crescente, existentes apenas ali, no seu mundo isolado e simples. Já sentia saudade de qualquer noite de segunda-feira de maio. Noites em que estava sozinho em casa, dançando canções que somente a ele pertenciam. Noites com cheiro de cravo e canela, em páginas borradas de deveres mal feitos e sonhos. Sim, sonhos! Com sonhos, quem precisaria de deveres? Sempre falaria isso em alto e bom tom, rindo de sua própria falta de sensibilidade em relação ao que não lhe interessava.
Seus simples gestos diante do hibridismo daquele estranho sentimento era um ritual diário: bicicleta, praia, lua e vento. O enlace que unia passado, presente e futuro se dava em tais momentos, os tornando pequenas dádivas que portavam o título de verdadeiros milagres secretos. Ficaria horas imaginando como cada alegria realizada no futuro viajava no tempo e o atingia lá no passado – para ele, presente – fazendo-o sentir uma felicidade inexplicável.
Tentava decifrar que alegrias futuras transitavam assim, da frente pra trás. E perdia-se nas horas tentando saber se escapavam do futuro para o passado por serem alegrias grandes de mais para caber em um tempo só. Poderiam ser beijos correspondidos, sorrisos doces ou simplesmente abraços apertados. Tão inexplicável, mas até certo ponto, pois ele sabia que tudo isso era amor. Era uma flor nascendo em meio às pedras! Tais alegrias misteriosas eram os olhos de anjos confidentes! Eram o prenúncio de sonhos realizados em um futuro não vivido e muito menos especificado! Então, ao sorrir, inexplicavelmente ele sabia que quem se colocava por trás de tudo, quem permanecia até o fim, era o amor... Tão além do que ele poderia compreender, mas era o amor... E foi assim que ele sorriu e percebeu os sons do tempo.
Quando ele passa a mão nos cabelos bagunçados, de frente para o mar, lá no passado, ele está no futuro vendo um mundo que existe além da porção de terra ocupada por ele. Seus dedos atravessam seus cabelos para tocar o rosto do amigo que ainda não entrara em sua vida; Seus dedos tocam as cordas que ainda nem sequer foram pensadas por suas mãos pálidas de noite de outono e seu coração, perplexo e gelado, chora a partida daquele que antes mesmo de chegar já foi embora. Laços do tempo transformando-se em indecifráveis nós dentro do coração humano. Ele sabia que era o amor vencendo o tempo.
Mas com sonhos, quem precisaria de tempo? Pensa ele no futuro - para ele, presente - ao digitar este texto.
Sabe então que o amor é tudo o que ele pode compreender.