- The World - Tarot of Dreams (Ciro Marchetti) -
Ao ler a pergunta em questão, quase gelei. Sabia que ali se encontrava um pequeno desafio. De cara, me coloquei a pensar, trazendo do fundo de um baú coisas das quais eu quase (veja bem, quase) havia me esquecido:
Eu tinha 11 anos quando me coloquei humilde e sinceramente, pela primeira vez, diante de um oráculo. Ou, bem, de um quase-oráculo. Era um livrinho espirituoso chamado O Livro da Sorte. Por mais bobo que ele pareça hoje em dia, aos olhos de uma criança ele é muito poderoso. Eu passava horas tentando decifrar suas rimas enquanto os outros meninos jogavam bola e corriam gritando.
Aos 12 eu já tinha meu primeiro 'deckzinho'. Eram cartas tão vagas e estranhas, baseadas no baralho de Lenormand... Eram quase toscas, mas diziam alguma coisa, em algum nível que até hoje não sei direito qual é. Mais à frente ganhei algumas runas. Adorava tanto o fato de serem um alfabeto... Ainda assim, nem as pedras, muito menos o livrinho, eram bem o que eu procurava. Aliás, mal sabia eu que eu mesmo procurava por algo. Estas primeiras coisas não eram 100% parte de mim, mas quebravam um galho, vibravam com alguma coisa aqui dentro.
Bem, esse fascínio que sentimos por estas cartas (ou pedras, ou manchas ou gravetos...) nunca tem uma razão muito clara de ser, certo? Para mim, pelo menos, a razão era tão obscura que passou naturalmente batida pela minha vida inteira. Nunca o questionei, esse fascínio. Nunca o racionalizei. Ele simplesmente estava ali, dentro de mim. E meu dever - meu instinto - era ouvi-lo, respeitá-lo e, porque não, obedecê-lo?
As coisas correram de forma confusa ao longo de um tempo. São tantas as portas que nos atraem, tantas possibilidades existentes em um mundo que não conseguimos ver... As cartas ficaram um pouco de lado. Talvez tenha faltado foco. Talvez eu precisasse de maturidade para ir fundo em algo que viria apenas mais à frente.
Foi em um dia chuvoso que, após uma briga séria com meu pai, eu passei horas e horas fora de casa questionando, pela primeira vez, certas coisas inerentes a mim. E é aí que a questão central deste texto entra. A partir daí um novo rumo surgiu. Não só no dia deste desentendimento, mas naquela época de forma geral, eu pude pela primeira vez ouvir a chuva. Ouvir. De verdade. Aqui dentro. Sim, água é água. Normalmente já exerce poder sobre nós. Água caindo do céu, então... O fato é que eu ouvia a chuva como nunca havia ouvido a mim mesmo em 15 anos (minha idade, na época).
Retornei à casa decidido a tomar atitudes drásticas em relação à quem eu era e seria. Cheguei com sete pedras na mão para ser absolutamente desarmado. Fui recebido pelo meu pai com um pacote cuidadosamente embrulhado em verde. Meu primeiro "main deck" estava ali, junto com um sincero e inesquecível pedido de desculpas.
Católico que é, meu querido pai nunca teve curiosidades a respeito desse mundo que tanto nos atrai. Tudo que ele sabia é que já havia um tempo desde que eu havia visto esse deck em uma loja, e que o mesmo tinha me chamado a atenção. Enfim, para o deck um tanto incomum que é, considerado surrealista (Osho Zen), ele me surpreendeu. E é engraçado, quando estamos abertos a tudo, quando não temos muitas opiniões, as coisas podem fluir muito bem. Na época não me passou pela cabeça julgar, compará-lo a outro baralho ou ponderar e decidir o que fazer. Aceitei meu presente com humildade, transbordando de felicidade, mesmo sabendo que junto a ele vinha uma jornada sem fim. E foi nele que eu aprendi a lidar de forma adulta com as cartas. Principalmente com os arcanos menores, que mesmo sempre gritando aos nossos olhos são tão silenciosos. Esse deck foi uma escola e foi a segunda voz que pude ouvir claramente depois da chuva. Aprendi o que é intuição, pude ver que algo maior nos fala claramente através de pedaços de papel...
Em meio a sonhos, escolhas são feitas e, de uma forma mais do que natural, após uns anos, meu deck ficou guardado em sua caixa, ao lado de minha cama. Sonhos brotando em nossas vidas sempre são coisas boas, mas há de se manter o foco em certos elementos. Sendo mais forte que eu, a vida me afastou um pouco de meu amigo. Alguns anos passaram até que, há alguns meses, meu melhor amigo começou a pedir que eu abrisse um jogo para ele. O incômodo era duplamente intenso: primeiramente porque havia um tempo desde a última vez em que eu o havia feito (ainda não lembro dela, aliás), e além disso havia também a insegurança estranha de lidar com as cartas novamente. É como se eu tivesse me distanciado repentinamente de um grande amigo sem dar satisfações e agora tivesse que enfrentá-lo e assumir minha negligência, encarar o fato de que não sabia o porquê exato de ter me afastado.
Para minha surpresa, tudo fluiu muito bem. Meu amigo não me destratou. Pelo contrário, agiu tão naturalmente, de forma tão leve! Como se nenhuma distância jamais tivesse existido. As coisas seguiram do exato ponto em que foram deixadas. A partir daí, tudo tem sido uma verdadeira festa. É como se um rio tivesse sido liberado, podendo agora fluir. Novos decks surgiram, livros que eu sempre tive e nos quais eu nunca havia reparado pularam do meu armário. Sites, pessoas, métodos. Todas as informações repentinamente à minha disposição. As coisas começaram não só a surgir, mas a falar.
Eu decidi pensar a questão central deste texto a partir daí; e diria que, antes de tudo, quem fala comigo é o amor. Ele guia as nossas vidas. Ele traz coisas e pessoas e lugares. E também pode nos afastar das mesmas, assim, num tirar de cartas. Ainda assim, sem desmerecer o amor (convenhamos, é o amor) não acredito que seja só isso. E eu sei que, com respeito ao Tarot, absolutamente tudo conta na hora de abrir um jogo.
Acho que além do amor ao que se faz, temos as cartas, que estão ali, cantando em nossos ouvidos invisíveis, nos guiando. Acredito que um dos momentos mais mágicos de se abrir um jogo é o momento de selecionar as cartas. O que te guia para tal carta e não outra? Como o Tarot faz isso? Quando me perguntaram quem fala comigo, esse momento de escolher cartas foi uma das primeiras impressões que tive. É ali que algo além de mim e do Tarot age. Há tudo isso que vemos e sabemos, mas há também algo que não enxergamos. Algo que não fala, mas vai direto ao ponto e - pá! nos faz entender a mensagem. Nem sempre sabemos verbalizá-la, mas a compreendemos.
Acontece que o amor a algo que só você conhece vai te levar ao Tarot. E este, por sua vez, fala com aquele que, sabendo sua língua, vai de coração aberto falar com ele. Então o Tarot fala com todos nós, de certa forma. Indo além disso, olhando para dentro, eu vejo que quem fala comigo é o invisível. Tudo aquilo que eu não necessariamente vejo, mas sinto. Sempre foi assim. Será sempre assim.
Por hora paro aqui, confessando sem medo que esta questão ainda não está fechada em minha mente. Ela vai permanecer fervendo, como uma meditação constante. Talvez o processo de descobrir que voz fala aos nossos ouvidos seja para a vida inteira e além. Afinal, não podemos ouvir mais de uma voz?