terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Desajeitado


Nada foxe ao final certo.

- Uxío Novoneyra -


No dia em que a vida me passou para trás, o fracasso nem me olhou nos olhos. Passou por mim sem conversa e seguiu adiante, me deixando ali, em pausa sem tempo definido. É, a intimidade tem dessas coisas...

Quando eu era menor, ele era um companheiro constante. Estava sempre ao meu lado, não me deixava só por um mísero instante. Éramos conhecidos por nossa amizade, que era uma relação bem confusa, porque, veja bem, eu achava que esta existia por eu ser único, completamente fora dos padrões. Então certamente nem me importei quando pude encará-lo e dizer adeus sem sentir saudade. Todo mundo encontra, cedo ou tarde, seu caminho, certo? Encontrando meu caminho, feito de pessoas únicas como eu, eu jamais teria de conviver com aquela presença estranha e incômoda na minha vida. Seria como ganhar uma nova identidade. Ou dar asas à identidade que sempre existiu e fora ofuscada pela sua presença incômoda. Trancado atrás de uma porta imaginária ele permaneceu. Eu segui adiante.

Mas e se esta pessoa que vos escreve, se este ser supostamente doce tivesse apenas se segurado desesperadamente a um sonho? No dia em que a vida botou o pé na minha frente, eu tropecei e vi que a porta esteve o tempo todo entreaberta logo atrás de mim. Vi minha identidade virar nuvem de incenso e meus sonhos, cinzas. Tudo isso em segundos, deixando-me nu e envergonhado, mais uma vez frente a ele.

Eu poderia olhar para baixo e encarar, pelo canto dos olhos, a porta atrás da qual ele estava guardado há muito tempo. Abrir esta porta significaria enfrentá-lo e dizer um desajeitado "olá, eu, por meu próprio mérito (ou falta dele) te trouxe aqui novamente. Sente-se e aproveite a estadia, pois esta parece permanente." Na verdade meu primeiro impulso seria este, mas gelei ao quase toque na maçaneta. O palpável pavor que tal porta instiga em mim foi mais forte. Só de imaginar seu sorriso sarcástico, aquele ar de superioridade tão típico. O olhar dos outros sobre nossa relação. Quis morrer, gritar, bater. Quis morrer de verdade, como nunca quis antes. É tão ruim querer morrer. É tão ruim pensar em morte quando parece haver tanta vida ao seu redor e dentro de você.

Então parei. Sorri. Saí. Nem abaixei a cabeça.

É a arte da falsa doçura. A antiga prática de segurar furações dentro de si. Tolo fui eu de pensar em abrir ou ignorar a porta. Óbvio que esta já estava aberta. Aberta o suficiente para deixá-lo passar com a força de quem foi injustamente preso por anos. Sua fúria era tão real, tão direta. Seca. E seu golpe foi rápido e quase imperceptível em termos de velocidade. Não precisei encará-lo, desta vez. Quer tenha sido por piedade ou ódio, pena ou prazer, ele apenas me atropelou. Categoricamente, por sinal. Conheci suas 10 espadas, estático, num coup de grâce épico. Épico.

Ao mesmo tempo, esta porta aberta tem um quê de saudosismo. Uma energia de embrace who you are. Não sei. Não sei quem eu sou, também. Não faz diferença, neste momento. Eu apenas o reconheço. Muito bem. Está aqui, me rondando, apesar de nossa truncada relação. Eu trago em mim esta qualidade, este dom de emanar conforto para o mais forte através da minha nítida delicadeza... Ou fraqueza.

Eu também poderia, no caso, agradecer aos céus pela oportunidade de ter diante de mim um caminho novo, até certo ponto livre e, mais importante, desconhecido. Poderia ignorar a tal porta e reconstruir tudo e, pela sabe lá deus que vez, fingir que ele, o temido fracasso, não existe.

Mas me diga, valeria a pena? Não seria mais coerente sorrir para ele e aceitar, com serenidade e dignidade, aquele que sempre me conheceu mais que todos?

Afinal, no dia em que a vida me passou para trás - isto é, hoje - a única coisa que consigo reconhecer ao meu redor é ele.

E eu não quero querer morrer.

Um comentário:

caio k disse...

adoro quando os textos são assim, pessoais, talvez mentirosos, mas subjeitvos a ponto de eu não ter entendido metade do que está escrito. eu não entendo metade de mim; só entendo a parte biológica. o resto é furada.