A cena se divide em duas partes: um mar de ondas de areia branca e um infinito céu escuro, repleto de estrelas cravadas em sua superfície lisa, lideradas por uma lua crescente. Apenas a fogueira define de forma delicada o limite entre o que é areia e o que é céu. Suas chamas queimam não apenas a madeira, pois também se alimentam dos sonhos opacos daqueles que a sua volta se encontram. Indivíduos sem história, tempo ou lugar. Seus sonhos nada mais são do que lembranças de alguém que viverá incontáveis anos a frente deles mesmos.
Ao olhar a lua minguante no céu, eu penso sobre como aquela mesma lua se encontrava ali quando o primeiro homem descobriu o fogo e a noite iluminada. Me choca a idade do tempo. E mais que isso, me choca sua inexistência exata. Tal inexistência sim é O Mistério, prova de que algo superior a nós nos observa e nos fala. Aquelas pessoas em volta da fogueira não me enxergam. Eu me sinto atraído por suas vestes, seus aromas e seus sons. Me aproximo.
Fita vermelha ao vento. Pandeirola em mãos em ritmo circular, quase hipnotizante. Ela roda em torno do fogo como se tal dança fosse a única missão de sua ínfima existência. Dona de uma longa saia também vermelha e de cabelos longos e negros, ela dança como a lembrança vaga que é. Seus olhos parecem vazios. Eu sinto algum conforto em sua dança e percebo claramente que respeito esta mulher.
Fita vermelha ao vento. Pandeirola em mãos em ritmo circular, quase hipnotizante. Ela roda em torno do fogo como se tal dança fosse a única missão de sua ínfima existência. Dona de uma longa saia também vermelha e de cabelos longos e negros, ela dança como a lembrança vaga que é. Seus olhos parecem vazios. Eu sinto algum conforto em sua dança e percebo claramente que respeito esta mulher.
Sentado na areia, sem piscar, um homem de olhar negro e pele avermelhada me desafia. Seus cabelos pretos estão parcialmente escondidos por um lenço; suas mãos tiram sons de seu instrumento como se fossem seres com vontade própria. Não gosto dele, sem exatamente encontrar uma razão para isto. Tal homem instiga em mim sentimentos estranhos e sem nome. Ele me incomoda de forma íntima, quase proposital.
Então olho o fogo; e sem ter grandes esperanças relacionadas à minha vida, finalmente entendo. Contudo, momentos assim, de epifania, podem ser como pequenas desgraças que, apesar de passageiras, deixam marcas eternas. Em tais momentos, a vida faz todo sentido. Escutamos Deus e enxergamos o tempo, mas não conseguimos expressar tal conhecimento. É algo que deve ficar preso, silente em nossa alma.
Mais que a audaciosa mulher, ele me intriga - e o faz em silêncio – pois seu olhar fixo no fogo me diz que ele sabe que está sendo observado. É num misto de conforto e dor, de saudade e angústia, que eu entendo:
Aquele homem sou eu.
Um comentário:
Lindo texto! Parabéns. Fez-me escutar a música, sentir o fogo e cortejar a mulher.
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