sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

The One


Hoje à noite ele não poderia ser a vítima.

Entre a tela e seus olhos existe ar frio e som de músicas aleatórias às quais ele mal ouve. Elas servem hoje exclusivamente de recheio para ar frio de sexta-feira à noite. O ar sempre fica mais fácil de inalar aos fins de semana porque ele está seguro em casa. Sem dúvida alguma, não importa o que aconteça, é em casa que tudo se resolve.

Os olhos percorrem detalhadamente a tela de cima para baixo, como se estivessem à caça de alguém específico. Não é o caso, ele sabe. Na verdade ele busca qualquer pessoa. Ele procura algum fruto naquela vasta plantação virtual que cultivou ao longo de um bom tempo. Droga, toda a pose de independência treme nas bases. Não quer ser a vítima de novo. Não hoje. Não agora, meu Deus.

Finalmente o trabalho daquela noite terminara. Nunca fora bom de matemática e nunca se esforçara para isto, de fato. Mas agora fizera um esforço e, vejam só, conseguiu realizar uma longa conta por si só, e de cabeça: às 00:43 de uma sexta-feira ele percebe que possui 545 contatos à sua disposição.

Centenas de frases de efeito. Centenas de colocações pseudo-filosóficas e até mesmo poéticas gritando em sua tela. Um verdadeiro livro de pensamentos, mensagens e lembretes. Percorre todas buscando o trecho de música que traduza o vazio que sente, que dê sentido a essa ferida que vez ou outra sangra por conta de enfiarem o dedo sem dó. 545 é um número bem alto, viu só? Não precisa ser a vítima hoje, pois possui mais de cinco centenas de pessoas ali, a um dedo de distância.

De todos os nomes listados em sua frente, ele mantém contato com apenas dez ou doze, sendo destes apenas dois ou três realmente constantes em termos de conversas e, de fato, apenas um realmente esperado, ainda que em vão. É. 545, agora, não parece um número tão imponente. A autoconfiança desaba de vez e, que merda! Está novamente a um passo de assumir de vez o seu papel.

Em horas como esta, ele sente raiva de ser alvo de adjetivos geralmente associados a idéias de fofura, alegria e doçura. Falhara de novo e, mais uma vez, é a vítima. Que patético, hein! Está cansado deste papelzinho ridículo que acaba assumindo incessantemente. Estas palavras sempre vem acompanhadas de idéias de fraqueza, inércia, bobagem e irrelevância. Sim, essa é a palavra principal. Irrelevância. Ser como ele é o torna irrelevante. Sente que sua voz é secundária e, como sua imagem, é meramente ilustrativa. Sempre é anulado. Droga! Sempre um meio e nunca um fim em si.

Ele acha interessante, apesar de triste, que não só se tornara irrelevante, como também fora convertido em uma espécie de espelho. Cada contato vai até ele para aprender mais sobre si mesmo, para se enxergar a partir dele. Ficam horas falando de suas vidas e ouvindo conselhos para depois seguirem seus caminhos como se nada tivesse acontecido.

Ele, tolo que é, fica ali em sua inesgotável pseudo-paciência dando conselhos e opiniões. Se apenas vissem um traço de seu mau humor... Sorri imaginando as possibilidades.

Como refletir sobre isso sem parecer mesquinho, sem parecer que está cobrando cada palavra lida? Não, ele sabe que o problema não é ajudar pessoas. Nunca teve problema com isso, até porque (sejamos sinceros) ajudar alguém faz com que ele se sinta bem consigo mesmo.

Seu problema é a possibilidade de ter como destino a obrigação de estar a disposição de 545 pessoas (que em realidade são dez ou doze ou três ou duas) para que elas saibam que entre seus próprios mares de frases de efeitos há um ombro amigo e, ao ficarem tranquilas, desaparecerem. O problema é a ausência da situação inversa. O problema é precisar de alguém sem saber exatamente o porquê. O problema é, também, crescer em um mundo que te diz que, sem alguém, você não é ninguém.

Ele volta a observar as frases e acha engraçado como sempre ouve as pessoas dizerem que com toda a constante expensão tecnológica ninguém fica sozinho.

Merda. Em um mundo diferente, estaria neste exato momento encarando a noite com confiança e força, segurando delicadamente seu cigarro entre os dedos.

Mas claro que não.

Ele é fofo de mais para isso.

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