quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Terceiro Desejo (recortes)


"Unfathomable Sea! whose waves are years,
Ocean of Time, whose waters of deep woe
Are brackish with the salt of human tears!
Thou shoreless flood, which in thy ebb and flow
Claspest the limits of mortality,
And sick of prey, yet howling on for more,
Vomitest thy wrecks on its inhospitable shore;
Treacherous in calm, and terrible in storm,
Who shall put forth on thee,
Unfathomable Sea?"

- Time, by Percy Shelley -


Eu nunca pensei que algum dia teria o tempo em minhas mãos. Eu, como alguém que sempre amou o passado - quanto mais remoto, melhor - sempre me senti ofendido pela forma brusca que o tempo adota para passar por nós, destruindo e construindo a seu bel prazer tudo o que ele quiser, trazendo e levando as pessoas de nossas vidas.

A primeira vez que tentei parar o tempo a próprio punho ocorreu aos meus 14 anos. Era algo instintivo. Em algum nível eu sabia que aquele ano específico seria um dos mais fundamentais para o resto da minha vida. Meus rumos, meus desejos e minha fé tomaram forma definitiva naquele ano. Assim, noite após noite um rigoroso ritual ocorria: abajour aceso, Trakinas de morango, água gelada, cd's, diskman e a estrela do plano: um diário.

Aos 14 anos a última coisa que você realmente deseja é ter de separar um período de sua noite para escrever sobre o seu dia, relatando impressões a respeito do passado, do presente e do futuro. São tantas as experiências, planos, pessoas... Confesso, portanto, que o diário em questão não é um registro absurdamente detalhado de meus dias naquela época. Ainda assim, eu o fiz. Me sentia ousado ao fazê-lo. Realmente poderoso.

Esculpi à mão aquilo que em realidade era um portal rasgado na antiga face do tempo. Eu recortava, cuidadosamente, a cada noite, uma fina linha da grosseira malha temporal que me envolvia e o fazia sem ter consciência de que tal ato era uma afronta ao tempo. Um desafio que tinha como objetivo um presente raro e pessoal destinado a um futuro eu. Aquelas folhas seriam a prova de que apesar de tudo, um pedacinho dele estava ali, nas minhas mãos, atravessando eras. Escrevi um troféu de uma batalha que venci contra o tempo. Sim, jamais a guerra, eu bem sei...

Ao me deparar com o diário agora, dez anos depois de sua confecção, me dei conta de que há em mim um mar de angústias que gritam em nome de tudo aquilo que ficou para trás, esquecido e empoeirado. Estas páginas atravessaram os anos para me dizer que ao menos uma vez arranhei a face do tempo e salvei tudo o que me tocou ao longo de um ínfimo ano de minha existência.

Tal presente é um privilégio. Queria poder agradecer àquele antigo eu. Queria poder escrever e recortar minha própria parcela de tempo, para enviá-la de volta a ele e plantar um pouco de alívio num coração que está preso há anos atrás.

Seria uma forma especial de dizer a ele para ficar tranquilo, para respirar fundo e acreditar, pois tudo, absolutamente tudo, ficará bem. E ele chegará aqui são, a salvo e, acima de tudo, muito feliz.

Um comentário:

Unknown disse...

estava eu aqui fazendo leituras de velhos textos meus e como conversei com vc no msn algumas horas antes, visitei o seu blog, visitei o meu, vi o meu, tudo parado, vi as nossas vidas, vi a força do tempo e o seu grande poder, te vi de novo, gostei do que vi, do que li, percebi que o TEMPO me levou pra longe de ti !