segunda-feira, 17 de março de 2008

O Efeito Loxian


Não fora o primeiro e nem seria o último a ter certeza de que o ar que o tocava era o mesmo que envolvia cada estrela que cabia no céu. Não se tratava de um estudioso do espaço, contudo, em sua humildade, sempre fechado e sereno, deitava-se todas as noites para contemplar cada singelo ponto pendurado no firmamento. Gostava de pensar que a noite nada mais era do que a vida por baixo de um vasto oceano negro. Compenetrado, ele observava cada detalhe como se fosse um sábio conhecedor, quase um amigo íntimo de longa data de cada estrela. Se era sábio ou não, não sei ao certo. Não cabe a mim decidir algo desta natureza. Mas com certeza ele foi alguém que apenas seguia seu coração. E não se julga um coração que segue seus instintos.

Como dois grandes quadros seus olhos guardavam todos os pequeninos reflexos que conseguia captar. Permanecia atento até sentir-se estranhamente só; e enviava pensamentos nas mais variadas direções. Eram apelos, preces, perguntas e confissões. Lançava-os como pedrinhas ao mar, na esperança de obter alguma resposta, na angustiante espera de perceber algum brilho especial que o fizesse ter certeza de que havia alguém ali. Apenas alguém.

Sentir-se amigo íntimo de todas as estrelas é sentir-se só, pois elas são infinitas. Contudo, certa noite tal estranho sentimento teve o seu fim, quando tendo seus olhos presos em um delicado ponto azul, sentiu-se deixar de pertencer a todas elas. Fora preso pelo delicado ponto distante, que de forma alguma se tratava do ornamento mais elaborado daquele céu. E mesmo não se tratando do brilho mais extravagante a ser visto, foi ali que seu coração encontrou conforto; e então ele pôde contemplar as cores vivas do sentimento de não ser só. Assim, em infindáveis segundos, alguma ponte foi feita entre ele e a estrela. Foi então que desenhou em sua noite um novo alfabeto, podendo sigilosamente trocar as mais delicadas confidências com sua nova amiga.

"Eram íntimos, eram dois e eram um, pois na eterna noite que é o espaço tudo é possível", me disseram certa vez, não me deixando dúvidas quanto a autenticidade dos sentimentos que nasceram daqueles olhos presos em uma estrela. Há quem diga que no momento em que ambos se cruzaram todas as outras estrelas sentiram-se magoadas e invejosas em relação àquela amizade.

Foi então que um outro ponto - certamente por ciúmes - rasgou o céu de um lado a outro, sem dó nem piedade da relação que acabara de nascer. Tal surpresa tirou seus olhos do distante ponto azul, que perdera-se em meio a todos os outros astros, sem ao menos dizer adeus. Derramou tímidas lágrimas antes de perder de vista o seu singelo ponto azul. Perdera-o para sempre, não havia dúvida. Contudo, sorriu ao saber, de alguma forma dentro de si, que havia vida fora de suas terras. Vida que pulsava e harmoniosamente se fazia perceber. Saberia definir aquilo? Não. Saberia explicar o que se passara? Jamais.

Existem coisas as quais simplesmente não se explicam. Sabemos sentí-las, mas não estamos aptos a entendê-las ou definí-las. A lógica da alma é algo obscuro e envolto em névoas; e é isso que todos nós precisamos entender. Essa harmonia mútua que ocorre entre duas almas não existe para ser decifrada. Em outras palavras, quero dizer que tudo que precisamos saber a seu respeito nos é inato, simplesmente agindo através de nossos corações. É essa a razão pela qual, embora soubesse que não estava só naquela noite, ele nunca soube que do outro lado do céu, encantada por um distante ponto vermelho, Lya admirava o céu de Moscou com nostalgia concreta. Sabendo - mesmo sem saber, meus amigos - que exatamente no ponto vermelho alguém a sentia no ar.

São caminhos que se cruzam no plano da Mãe Vida.
Olhares que se encontram na multidão infinita das estrelas.