domingo, 21 de janeiro de 2018

You Learn



29/12/2017

A única que vez que me senti assim foi nunca.

Ou talvez no dia em que soube que estava prestes a entrar na oitava série - também nas férias - encarando o verão e suas tempestades como portais. A cada pé d’água, um passo à frente. Sol da tarde pela janela, nintendo 64 desligado, TOP 20 MTV rolando e meu CD do Unplugged da Alanis (tinha acabado de ganhar) me olhando.

Naquela época (que nem hoje. HA!) meus dias eram feitos de sonhos. Que privilégio ter pais que permitam isso: você se cercar dos mais lindos sonhos. É poder  ter um jardim de cristais no seu quarto – devidamente energizados em dias de lua cheia - em meio a todos os objetos do flamengo pertencentes ao seu irmão. É ter uma cidade de gnomos, um espantalho feito a partir de uma vassoura – um guardião; ou simplesmente compor musiquinhas num violino depois das 23:00.

Minhas noites eram embaladas pelo taco do chão acendendo em sons enquanto eu ia pegar trakinas de morango, meu fiel companheiro de ouvir rádio de madrugada. Que gostoso, não saber que música vai tocar, que delícia não ter hora pra acordar. Meu abajur rodava com o ar quente da lâmpada, fazendo imagens girar pelas paredes. Meu teto tinha estrelas fluorescentes e meus lençóis sempre estavam limpos, cheirando a amaciante misturado com o mantra ano que vem tudo será novo. Promessa de não-dor, desejo de mais sorrisos e menos medo de quem poderia me notar naquela escola.

O medo ainda não ia embora, ainda bem que eu não sabia de antemão. E aquele ano foi um empurrão tenso, mas com o gosto da descoberta e da antecipação de novos ares. Um novo eu à espreita, esperando o dia certeiro em que meu corpo seria tomado e pronto: tudo em seu novo lugar. A gente sempre acha que não vai mais cometer erros, como quem pensa que uma casa não vai ficar empoeirada. Isso até a gente ter que pegar a vassoura, eu imagino. Esse misto de medo e desejo é único. Não sei quando sinto esse gosto de novo.

Há 18 anos essa antecipação era tão palpável quanto agora, mas eles estavam lá em casa, meu pai e minha mãe. Meu sol e minha lua, meus anjos que sabem menos do que deveriam sobre meu amor graças às minhas horríveis habilidades sociais dentro de círculos mais íntimos. Eu sou todinho minha mãe: pele, olhos, cabelo, boca. Meu sangue é todo Meirelles, minha alma também. Sempre bati no peito para dizer isso, quase celebrando a ausência dos olhos azuis do meu pai, que sempre foi tão intenso. Eu tinha orgulho de ser calmo, tranquilo, quietinho - que piada. Mal sabíamos que o traço mais marcante dele era invisível! Nunca foram seus olhos, mas seu gênio de fogo, rompendo a água pisciana em momentos inesperados; quem diria que tal atributo desabrocharia em mim no ano de 2017, na forma de voz alta e palavrões que mal consigo controlar. Ái, pai. Ái, mãe. Como eu sou vocês; que honra vestir vocês como uma armadura.

Não, eles não morreram. Digo, talvez só um pouquinho - que nem eu - agora que as coisas estão todas fechadas no quarto ao lado, com meus diários e livros (como eu tenho livros!) e minhas coisas (como tenho coisas!). Isso realmente está acontecendo.

Hoje essa antecipação da qual falo é diferente. Eu estou prestes a voar. Estou correndo pela pista de decolagem de asa-deltas, prestes a simplesmente pular, sem apoios muito visíveis, sentindo a vida mais real de um lugar que nunca vi, só ouvi falar.

Tudo em seu lugar, mas que lugar é esse? Vou descobrir.

E o álbum da Alanis segue aqui no Spotify.

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